segunda-feira, 15 de maio de 2023

O porteiro dos Capuchinhos

 

Há quase um século, um convento dos Barbadinhos (Capuchinhos) em Portugal, era dirigido por Frei Giló, um monge austero, digno, virtuoso e santo. 

Quando o eminente frade tomou conta da abadia, achou a Ordem em deplorável estado. Imagine-se só que os monges mais sérios, mais recatados, entravam no convento depois da meia-noite... quando não dormiam fora. 

O ilustre dom abade resolveu acabar com tamanho escândalo, e deu ordens terminantíssimas ao irmão porteiro, para não deixar ninguém entrar, para não abrir sequer a porta, depois das oito horas. 

Frei Miguelinho (um frade que tinha brado de armas*), imaginou que aquilo era para inglês ver; não fez caso, e nessa mesma noite apresentou-se na portaria às horas de costume: meia-noite. 

Bateu, bateu, bateu, e só ao cabo de muito tempo, o irmão porteiro resolveu perguntar quem era. 

Frei Miguelinho deu-se a conhecer, mas o porteiro recusou-se a abrir, alegando as ordens terminantes do abade. 

− “Abre, irmão...” − suplicava o frade. “Olha que sou eu... Abre só desta vez... Estive ouvindo um moribundo... Faça favor de abrir...” 

Não havia meio. O porteiro, inflexível, não atendia às lamúrias do Barbadinho. 

Afinal, vendo que nada conseguia, e que tinha de descer a ladeira, ou ficar ao relento, Frei Miguelinho tirou do bolso uma moeda de ouro e passando-a por baixo da porta, disse: 

− “Ó Irmão, veja, então, se pode abrir com esta chavinha...”. 

O irmão porteiro, reconhecendo a moeda, apressou-se em abrir. 

Frei Miguelinho, pilhando-se do lado de dentro, disse ao leigo: 

− “Ó Irmão, você com a sua teima, fez-me deixar o guarda-chuva aí fora, encostado à parede. Faça o favor de ir buscá-lo”. 

Como resistir a quem acaba de nos mimosear com uma libra? 

O porteiro apressou-se em sair. 

Assim que o viu do lado de fora, Frei Miguelinho mais do que depressa fechou a grande porta do convento. 

O outro pôs-se a procurar o guarda-chuva, e não o achando, quis entrar, mas encontrou a porta fechada. 

Bateu, bateu, batei. Nada, só muito depois o outro fingiu ouvir, e perguntou: 

− “Quem é?...” 

− “Sou eu, Frei Miguelinho. Não achei o guarda-chuva algum. Abre a porta depressa, que está fazendo frio”. 

− “Não posso”, replicou Frei Miguelinho, repetindo as mesmas desculpas que o porteiro dera. “Não posso... Depois das oito horas, a porta não se abre... As ordens são rigorosas...” 

− “Deixa de caçoada, Frei Miguelinho”, − replicou o porteiro, “abra a porta, que está frio...” 

Mas Miguelinho não atendia, até que se resolveu dizer: 

− “Se quer que abra, dê-me aquela chavinha amarela, que lhe dei há pouco...” 

O porteiro compreendeu, e não teve remédio senão restituir a moeda de ouro...

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* brado de armas, de nobre estirpe familiar. 

(Do livro “Gostosas Piadas Cariocas”, de João Pindoba, 1960)

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