Fernando Sabino
Quando mandou colocar mármore no chão de seu apartamento, o vizinho de baixo veio reclamar: às oito horas da manhã os operários começavam a quebrar mármore mesmo em cima de sua cabeça. Durma-se com um barulho desses!
– Está bem, está bem − concordou ele, acalmando o vizinho: − Vou mandar começar mais tarde.
Mandou que os operários só começassem a trabalhar a partir das nove horas. Dois dias depois tornava o vizinho:
– Assim não é possível. Já reclamei, o senhor prometeu, e o barulho continua!
– Mas é só por uns dias − argumentou ele: − O senhor vai ter paciência…
E mandou que os trabalhos só se iniciassem a partir de dez horas. Com isso pensava haver contentado o vizinho. Para surpresa sua, todavia, o homem voltou ainda para protestar e desta vez furibundo, armado de revólver:
– Ou o senhor para com esse barulho ou eu faço um estrago louco.
Olhou espantado para a arma e, cordato, convidou-o a entrar:
– Não precisa se exaltar, que diabo. Vamos resolver a coisa como gente civilizada. Eu disse que era só por uns dias… Se o senhor quiser que eu pare, eu paro. Cuidado com esse negócio, costuma disparar. Qual é o calibre?
– Trinta e dois.
– Prefiro trinta e oito. Mas esse parece ser muito bom… Que marca?
– Smith-Wesson.
– Ah! Então deve ser muito bom. Cabo de madrepérola... Quanto o senhor pagou por ele?
– Cinquenta.
– Não foi caro. Sempre tive vontade de ter um revólver desses. Quem sabe o senhor me venderia?
– Não vim aqui para vender revólver − explodiu o outro – mas para lhe avisar que esse barulho…
– Não haverá mais barulho, esteja tranquilo. Agora, quanto ao revólver… Quer vender?
– O senhor está brincando…
– Não estou não: pela vida de minha mãezinha. Quer saber de uma coisa? Dou cem por ele. Sempre tive vontade... Vamos, aceite! Cem, ali na bucha, pago na hora.
O homem começou a titubear. Olhou o revólver, pensativo: cem era um bom preço. Já pensara mesmo em vendê-lo… Olhou o dono da casa, tornou a olhar o revólver:
– Toma: é seu − decidiu-se.
Antes de entrar na posse da arma, o comprador foi lá dentro buscar o dinheiro e estendeu-o ao vizinho. Depois empunhou o revólver e chegou-lhe aos peitos:
– Bem, agora ponha-se daqui para fora. E fique sabendo que eu faço o barulho que quiser e quando quiser, entendeu? Venha aqui outra vez reclamar e vai ver quem é que acaba fazendo um estrago louco.
(Do livro “Para gostar de ler” Ática, 1981)
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