Florbela Espanca (portuguesa) Francisca Júlia (brasileira)
Florbela Espanca
(1894 – 1930)
Saudades! Sim...
talvez... e porque são!...
Se o nosso sonho foi tão alto
e forte
Que bem pensará vê-lo até a
morte
Deslumbra-me de luz o coração!
Esquecer! Para quê?...
Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não
importe.
Se ele deixou beleza que
conforte
Deve-os ser sagrado como o pão!
Quanta vezes, Amor, já te
esqueci,
Para mais doidamente me
lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!
E quem dera que fosse
sempre assim!
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!
Amar!
Florbela Espanca
Eu quero amar, amar
perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer?
Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada
vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois, se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó,
cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
Rústica
Francisca Júlia
(1871 -
1920)
Da casinha, em que vive, o reboco alvacento
Reflete o ribeirão na água
clara e sonora.
Este é o ninho feliz e
obscuro em que ela mora;
Além, o seu quintal, este, o
seu aposento.
Vem do campo, a correr; e
úmida do relento,
Toda ela, fresca do ar, tanto
aroma evapora
Que parece trazer consigo, lá
de fora,
Na desordem da roupa e do
cabelo, o vento...
E senta-se. Compõe as roupas.
Olha em torno
Com seus olhos azuis onde a
inocência boia;
Nessa meia penumbra e nesse
ambiente morno,
Pegando da costura à luz
da claraboia,
Põe na ponta do dedo em
feitio de adorno,
O seu lindo dedal com pretensão de joia.
Ângelus
Francisca Júlia
Desmaia a tarde. Além, pouco
e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.
Salmos cheios de dor,
impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepúsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.
Nest'hora, muita vez, em que
fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,
Quisera ser o som, ser a
noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.
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