sábado, 6 de maio de 2023

Poetisas:

 Florbela Espanca (portuguesa) Francisca Júlia (brasileira)

 Saudades

Florbela Espanca

(1894 – 1930)

Saudades! Sim... talvez... e porque são!...

Se o nosso sonho foi tão alto e forte

Que bem pensará vê-lo até a morte

Deslumbra-me de luz o coração!  

Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!

Que tudo isso, Amor, nos não importe.

Se ele deixou beleza que conforte

Deve-os ser sagrado como o pão!  

Quanta vezes, Amor, já te esqueci,

Para mais doidamente me lembrar,

Mais doidamente me lembrar de ti!  

E quem dera que fosse sempre assim!

Quanto menos quisesse recordar

Mais a saudade andasse presa a mim!  

Amar!

Florbela Espanca 

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém! 
 

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém

Durante a vida inteira é porque mente!  

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois, se Deus nos deu voz, foi pra cantar! 
 

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar... 
 

Rústica 

Francisca Júlia

(1871 - 1920)

 

Da casinha, em que vive, o reboco alvacento

Reflete o ribeirão na água clara e sonora.

Este é o ninho feliz e obscuro em que ela mora;

Além, o seu quintal, este, o seu aposento. 

 

Vem do campo, a correr; e úmida do relento,

Toda ela, fresca do ar, tanto aroma evapora

Que parece trazer consigo, lá de fora,

Na desordem da roupa e do cabelo, o vento... 

 

E senta-se. Compõe as roupas. Olha em torno

Com seus olhos azuis onde a inocência boia;

Nessa meia penumbra e nesse ambiente morno, 

 

Pegando da costura à luz da claraboia,

Põe na ponta do dedo em feitio de adorno,

O seu lindo dedal com pretensão de joia.  

Ângelus 

Francisca Júlia 

Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente. 
 

Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepúsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente. 
 

Nest'hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade, 
 

Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda. 
 


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