terça-feira, 2 de maio de 2023

Por trás da letra:

 Atrás da Porta 

No Verão de 1972, Elis Regina se separou mesmo de Ronaldo (Bôscoli), num divórcio tão previsível quanto tempestuoso... Roberto Menescal voltou a produzir seus discos, agora com a direção musical e o piano de César Camargo Mariano e uma banda totalmente diferente, talvez melhor... Um grande disco, mais equilibrado e sem aventuras, com um repertório de alto nível e uma Elis mais discreta e precisa. No disco inteiro ela se apresenta mais técnica e contida, mas em uma música explode de emoção como nunca e se derrama, chora e soluça as palavras de “Atrás da porta”, uma de suas maiores performances em disco... 

Quando Elis conheceu a música, levada por Menescal, a melodia de Francis Hime tinha só a primeira parte da letra de Chico Buarque. Elis e César ficaram apaixonados pela música e a gravação foi marcada para dentro de três dias. Nesse meio tempo, Menescal e Francis tentariam dar uma pressão em Chico para terminar a letra. À noite, separada de Ronaldo, sozinha na casa branca da Oscar Niemeyer, Elis resolveu fazer uma sessão de cinema, convidando alguns amigos, entre eles César, para ver “Morangos silvestres”, de Bergman, um clássico-cabeça da época. Mal o filme começou, César recebeu um bilhete de Elis, foi ao banheiro ler e se espantou: era um “torpedo” amoroso. Atônito, César leu e releu, acreditou e sumiu: completamente fascinado por Elis, era tudo o que secretamente desejava. E temia. Então sumiu. Não foi encontrado nos dois dias seguintes em lugar nenhum, os amigos se preocuparam. Mas no dia e hora da gravação, duas da tarde, César estava no estúdio, Menescal se sentiu aliviado e Elis sorriu sedutora. César dispensou os músicos, pediu para todo mundo sair, para colocarem o piano no meio do estúdio, baixarem as luzes e deixarem só ele e Elis, para a gravação do piano e da voz-guia de “Atrás da porta”. 

Extravasando seus sentimentos, misturando as dores da separação com as esperanças de um novo amor, Elis cantou, mesmo sem a segunda parte da letra, com extraordinária emoção, com a voz tremendo e intensa musicalidade. Na técnica, quando ela terminou, estavam todos mudos. Elis chorava abraçada por César. Juntos, César e Menescal foram levar a fita para Chico, que ouviu, chorou, e terminou a letra ali mesmo, no ato. 

Assim, Elis Regina cantou a versão definitiva de uma das mais poderosas e dilacerantes letras de amor e ódio da música brasileira, produziu uma gravação antológica e emocionou o Brasil com sua arte. E ganhou um novo namorado, com quem esperava crescer na música e na vida. 

Do livro: “Noites Tropicais”, de Nelson Motta.

Atrás da porta 

Chico Buarque e Francis Hime 

Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus.
Juro que não acreditei, eu te estranhei,
Me debrucei sobre teu corpo e duvidei,
E me arrastei e te arranhei,
E me agarrei nos teus cabelos,
Nos teus pelos, teu pijama;
Nos teus pés, ao pé da cama,
Sem carinho, sem coberta,
No tapete, atrás da porta.
Reclamei baixinho,
Dei pra maldizer o nosso lar,
Pra sujar teu nome, te humilhar,
E me vingar a qualquer preço,
Te adorando pelo avesso,
Pra mostrar que ainda sou tua...

Até provar que inda sou tua... 

Comentários 

Nesta letra a personagem chega em casa e percebe que o marido está estranho (Quando olhaste bem nos olhos meus/E o teu olhar era de adeus). Ela demonstra que o traía pelo arrependimento ao decorrer da canção, principalmente na parte “Dei pra maldizer o nosso lar/Pra sujar teu nome, te humilhar”.

E a personagem também demonstra a humilhação que se submeteu para conseguir o perdão do amado (Me debrucei sobre teu corpo e duvidei/E me arrastei e te arranhei/E me agarrei nos teus cabelos/Nos teu pelos, teu pijama/Nos teus pés ao pé da cama/Sem carinho, sem coberta). 

Rayza 

Essa letra é incrível! Pra começar, Chico Buarque mais uma vez se utiliza do eu lírico feminino, nenhum outro compositor o faz tão bem quanto ele! A letra fala abertamente de um homem que está abandonando a companheira e demonstra inicialmente toda a amargura da mesma… Em seguida, essa mulher abandonada se encontra já totalmente possuída pelo sentimento de vingança, reparem que quando Chico canta: “Dei pra maldizer o nosso lar…” dá margem há duas interpretações claras, o “dei” pode ser interpretado como um começo de uma atividade ou ato sexual em si… quer dizer, a mulher em questão começa a se envolver com outros homens a fim de reverter a humilhação que sentiu… Fantástico! 

Mariana Cantarim 

Assista, na internet (ou no youtube), ao vídeo dessa música, num especial da Globo, interpretada por Elis Regina. É de arrepiar!

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