Bocage* entrou em uma taverna e perguntou:
− Poderei comer aqui, com o meu dinheiro?
O dono do estabelecimento olhou com surpresa para o recém-chegado e respondeu:
− Decerto, senhor; o que quiser...
E começou logo a fazer uma longa enumeração das iguarias que podia pôr à disposição do seu interlocutor.
Bocage escolheu os pratos que mais lhe agradavam, repetiu com relação a cada um deles a pergunta que já fizera. O taverneiro, que ria já daquela insistência, respondia sempre afirmativamente, como bem pode supor-se.
Senta-se o poeta, come e bebe à regalada, e afinal, dando por concluída a refeição, levanta-se e saca da algibeira um vintém, que entrega ao proprietário do estabelecimento.
− Que é isto? Pergunta este último com profunda estupefação.
− Disse-me muitas vezes que eu podia comer o que quisesse com o meu dinheiro, e nada mais lhe devo, por consequência, visto que o meu dinheiro é só esse.
− Tem razão, respondeu o taverneiro, descerrando os lábios em um sorriso amarelo, e perdoar-lhe-ei de bom grado com uma condição.
− Qual é?
− Há de fazer o mesmo no estabelecimento fronteiro a este...
− Ah! Creia que muito me custa não poder aceder ao seu desejo, senhor... Já fui ontem comer com o meu dinheiro na taverna do seu vizinho, e foi ele quem me mandou aqui...
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(Do livro “Gostosas Piadas Cariocas”, de João Pindoba)
* Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em 15 de setembro de 1765, em Setúbal, vila portuguesa. Mais tarde, em 1781, ingressou na carreira militar, mas desertou em 1789. Passou então a se dedicar à escrita literária e às traduções. Contudo, seu estilo de vida boêmio e sua escrita satírica fizeram com ele sofresse perseguição política e religiosa.
O poeta, que morreu em 21 de dezembro de 1805, em Lisboa, produziu textos com características árcades e românticas. Assim, adotou o pseudônimo árcade Elmano Sadino, mas também escreveu uma poesia erótica e anedótica, que acabou sendo responsável pela fama do artista.
Foi personagem de muitas anedotas atribuídas a ele, mais pelo folclore popular.
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