Na foto acima, vemos, ao lado gigante, os dois donos Circo Sarrazani,
à direita de Francisco Ângelo Guerreiro está Giovanni Mutti.
A exemplo da Ucrânia, pátria do
homem mais alto do mundo, o Rio Grande do Sul também já teve o seu
"gigante": Francisco Ângelo Guerreiro, nascido em 1892, que tinha
2,17m e calçava botas número 56 aos 21 anos de idade. Sua existência é lembrada
pelo acervo do Museu Júlio de Castilhos, que guarda um par de botas do
grandalhão. Sobre ele, o site da instituição registra:
“Francisco Ângelo Guerreiro, o Gigante,
nasceu em 17 de julho de 1892, provavelmente em Pinhalzinho, atualmente
distrito de Nova Palma, no Rio Grande do Sul. Faleceu em 1926, no Rio de
Janeiro. São poucas as informações sobre a sua infância. Na juventude, é
possível que tenha trabalhado como peão de estância e na construção civil, no interior
do município gaúcho de Cruz Alta”.
Segundo depoimento de um irmão, fez
parte do Circo Sarrazani. O “Gigante” era exibido numa jaula e cobrava-se 1 mil
réis para vê-lo. Há ainda relatos de uma excursão ao Rio de Janeiro, onde se
apresentou no Teatro Politeana, contrastando com o anão Rufino.
Sobre sua morte, há inúmeras
versões: teria sido vítima de tuberculose, infecção comum aos portadores deste
tipo de gigantismo, ou teria sido morto em circunstâncias não esclarecidas,
após um ataque de fúria, em função das condições humilhantes a que era
submetido no circo.
Aos 21 anos, foi examinado pelo Dr.
Annes Dias, que descreveu o caso como 'gigantismo acromegálico'. Segundo o
médico: “Em criança era muito fraco, diz que aos oito anos começou a crescer
muito; aos quinze anos notou que suas extremidades aumentavam mais rapidamente
que o corpo. Não sabe ler. Seu gênio é calmo, acomodatício, sendo muito
dócil... cansa facilmente na marcha...”
(Do Blog Gaúcha
Hoje-RBS)
As botas do gigante
Por Charles Kiefer
Hoje, em doce flanerie pelo
centro da cidade, na companhia de Sofia, depois de comprarmos revistinhas da
Mônica e do Cebolinha, resolvemos visitar as botas do gigante, no Museu Julio
de Castilhos.
Sempre que posso, visito as botas do
gigante. Certa vez, lá se vão anos, li para a Maíra, minha filha mais velha, a
história de João e o Pé de Feijão. Como ela ficasse incrédula, levei-a ao museu
e mostrei-lhe as botas, como prova irretorquível de que existem gigantes. E
hoje, quis repetir a experiência com Sofia, a filha mais nova. Quis mostrar-lhe
as botas, que são talvez o objeto mais raro e mais estranho da história do Rio
Grande do Sul. Porque as outras quinquilharias do museu são previsíveis, são
comuns e encontráveis em qualquer acervo, inclusive em museus particulares no
interior. E além do mais, em geral, são objetos heróicos, manchados de sangue,
símbolos de nossa intolerância, violência e estupidez. Mas as botas do gigante
não. Elas são prosaicas, vivas, inocentes. Elas são curiosas, e provam que
aqui viveu uma aberração da natureza, um homem gigantesco. Junto às botas,
havia uma foto fantástica, que provava mais uma vez que as botas tinham dono,
que não foram feitas por algum sapateiro brincalhão.
Entramos e fomos avisados que não se
pode mais visitar aquele par de relíquias. Segundo um funcionário, as botas
foram escondidas, não estão mais em exposição, por ordem do diretor.
Perguntei
por que e a resposta que ouvi foi esta:
“Por que elas eram muito visitadas... O diretor quer se valorize outras coisas expostas no museu...”.
Ah, entendi... A política cultural do
estado-atual-a-que-chegamos é esconder as botas! Economizar talento, economizar
gerenciamento, economizar visão pública.
Estou, mais uma vez, literalmente,
embasbacado. Em que, mesmo, as botas incomodavam o Museu Julio de Castilhos?
Atraíam público? Elaboravam demais o fetiche do tamanho, tão caro ao guasca
gaudério? Concorriam em ostroneniecom alguém do governo?
Segundo o mesmo funcionário, as
botas atraíam muitos visitantes que, uma vez lá dentro, visitavam outras partes
do museu.
Governadora, Vossa Excelência já nos
tirou muitas coisas, mas, por favor, devolva-nos as botas do gigante!
Como é que nossos filhos vão
acreditar em contos da carochinha, como é que vamos acreditar na política (é mais
fácil acreditar em mitos literários, não é mesmo?) se a prova cabal da
existência do Pé-de-Feijão foi retirada do museu?
(Crônica de 5 de
janeiro de 2010)
Tamanho recorde
Natural do Rio Grande
do Sul,
homem de 2,17 metros de altura
percorreu o país como atração de circo.
Letícia Borges
Até bem pouco tempo atrás, quem
visitasse o Museu Julio de Castilhos, no centro de Porto Alegre, daria de cara
com um par de botas tamanho 56 ao lado de objetos que pertenceram a renomados
personagens da história gaúcha, como Júlio de Castilhos (1860-1903), Bento
Gonçalves (1788-1847) e Getúlio Vargas (1882-1954). E não é porque algum desses
políticos locais tivesse pés descomunais. As botas pertenceram a um sujeito
humilde chamado Francisco Ângelo Guerreiro (1892-1926), que ficou famoso nas
arenas de circo e nos livros de medicina no início do século XX por causa de seus 2,17
metros de altura, que lhe valeram o apelido de “Gigante”.
A exposição de objetos de Guerreiro
no museu mais antigo do Rio Grande do Sul (fundado em 1903) tem sido motivo de
controvérsia há anos. Em uma “sala de curiosidades” – similar às “câmaras de
maravilhas”, de onde surgiram os primeiros museus de História Natural – ficavam
o par de botas, as marcas à tinta das mãos e dos pés do Gigante, ao lado de
outras de “tamanho normal”, e poucas fotos de sua vida.
A sala fazia a alegria dos
visitantes, principalmente das crianças, mas provocava desconforto entre os
técnicos do museu, que a consideravam uma “distorção” dentro do acervo. Em
1993, esse espaço foi desativado e seu material levado para a reserva técnica,
mas a reação do público foi tão negativa que as botas tiveram de voltar no ano
seguinte como parte de uma exposição temporária sobre a vida do Gigante. Elas
acabaram retornando às galerias do museu até que, no início de 2007, foram
retiradas novamente para serem recuperadas.
A iniciativa de 1993 não foi a
primeira tomada por um diretor do museu para se livrar das botas, como contou o
historiador Sérgio da Costa Franco em artigo publicado no jornal Zero Hora em
outubro de 1989: “A peça que mais atrai a atenção das crianças são as botas do
gigante gaúcho, fulano de tal Guerreiro. Um ex-diretor daquela casa já pensou
em escondê-las, por não terem maior expressão dentro de um acervo especializado
em história e etnologia. Mas a curiosidade dos visitantes infantis, previamente
alertada pelos mais velhos, reclamava a exibição das botas colossais, e elas
tiveram de voltar ao acervo ativo”.
A enorme atenção que Guerreiro
despertou durante sua vida tem muito a ver com o tratamento que era dado no
início do século XX a quem tinha alguma deficiência. Embora hoje possa parecer
algo marginal e indecente, essas pessoas eram expostas ao público, numa
atividade lucrativa, popular e organizada.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os
“espetáculos de monstros” eram uma autêntica indústria da diversão até os anos
1940, com um conjunto de técnicas próprias e um corpo de profissionais
treinados. Alguns desses “monstros” se tornaram verdadeiras estrelas e tiveram
suas fotos publicadas em revistas e cartões-postais.
No Brasil,
shows assim eram comuns nas primeiras décadas do século passado, ainda que sem
o mesmo nível de organização dos americanos. Guerreiro foi atração de vários
deles, em teatros e circos pelo país. Segundo depoimento de um irmão, quando o
Gigante morreu, ele fazia parte do elenco do Circo Sarrazani, onde se
apresentava em uma jaula ao preço de mil réis. As fotos que estão no museu o
mostram na época em que se exibia no Teatro Politeama. Ali ele aparece de
braços abertos, tendo abaixo de si homens altos, médios, baixos e anões, numa
pose semelhante à dos “gigantes” de shows dos Estados Unidos.
Guerreiro começou a chamar atenção
na região onde se acredita que tenha nascido – em Pinhalzinho, atual distrito
de Nova Palma, 354
quilômetros a noroeste de Porto Alegre – antes mesmo de
completar 18 anos, quando já passava dos dois metros de altura. Moreno, de tipo
indígena, tinha braços, pés, mãos e rosto que cresciam desproporcionalmente em
relação ao resto do corpo. Ele sofria de uma síndrome chamada acromegalia, que
o fazia produzir hormônio do crescimento em excesso.
Nascido em uma família sem posses,
Guerreiro perambulou por muitos lugares e empregos, trabalhando como peão de
estância, vendedor de lenha e pedreiro. Diz a lenda que sua contratação para
trabalhos braçais era disputada por empregadores que achavam que sua força
equivalia à de vários homens.
Mas a crença na força do Gigante foi
desmistificada pelos médicos que o estudaram. Em suas Lições de Clínica
Médica (1921), Heitor Annes-Dias relatava que ele sofria constantemente de
mal-estar, desmaios e sensação de fraqueza. Aos olhos desse professor da
Faculdade de Medicina de Porto Alegre, Guerreiro era um ser frágil e
dependente, apesar de sua aparência.
Essa impressão foi confirmada por Bruno
Marsiaj, catedrático de Anatomia da mesma faculdade. Em Cabeça óssea de um
gigante rio-grandense, publicado três anos após a morte de Guerreiro –
ocorrida, provavelmente, em 1925 –, o médico divulga seu trabalho de análise
dos restos mortais do Gigante e nega que a alta estatura significasse maior
força física. Já no primeiro capítulo, o professor Marsiaj afirma que o
gigantismo não é sinônimo de saúde nem de vigor, mas somente um desequilíbrio
metabólico.
Na literatura médica, eram comuns as
referências a pacientes com aberrações e deformidades. Suas anomalias eram
expostas para servir de alerta sobre o perigo da “degeneração” moral e também
como prova das teses defendidas pelos estudiosos. Mas Annes-Dias e Marsiaj
criticam nos seus estudos as “mistificações de leigos” sobre casos do mesmo
tipo e condenam toda forma de exposição ou uso público do corpo – a
prostituição, o cruzamento racial ou os espetáculos de circo, que escolhiam
pessoas com peculiaridades físicas ou habilidades “incomuns” para representar
personagens chocantes.
Apesar de julgarem repugnantes as
exibições de “gigantes”, “pigmeus”, “mulheres barbadas”, “homens-macacos” e
outros personagens, os próprios médicos estavam entre os frequentadores desses
espetáculos. É o caso de Annes-Dias, que, comparando Guerreiro a gigantes não
acromegálicos, menciona ter conhecido pessoalmente um deles, o alemão Schipper,
de 2,39 metros
de altura, em uma apresentação em Porto Alegre.
Com o passar dos anos, esse modelo de divertimento entra em declínio, provavelmente por causa do aumento do poder das áreas biomédicas, que passam a responder pelo controle das pessoas com deformidades físicas ou mentais. Guerreiro viveu o início desse processo, mas morreu de tuberculose no Rio de Janeiro, ainda como uma atração de circo.
Com o passar dos anos, esse modelo de divertimento entra em declínio, provavelmente por causa do aumento do poder das áreas biomédicas, que passam a responder pelo controle das pessoas com deformidades físicas ou mentais. Guerreiro viveu o início desse processo, mas morreu de tuberculose no Rio de Janeiro, ainda como uma atração de circo.
Cerca de três anos após sua morte, a
imprensa gaúcha iniciou uma campanha para recuperar seus restos mortais, que
estavam sendo exibidos no Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, na então
capital do país. A campanha atingiu seu objetivo, e ao publicar sua tese, Bruno
Marsiaj dedicou-a “à sociedade sul-rio-grandense, que, cultuando no Rio de
Janeiro o tradicional espiritualismo gaúcho, restituiu ao berço os despojos de
Guerreiro”.
A partir de então, as botas do
Gigante viraram atração do Museu Julio de Castilhos – provavelmente, a mais
popular de toda a casa. Sempre havia quem perguntasse “se as botas ainda
estavam lá”, referindo-se à sala de curiosidades, lugar de maior concentração
de pessoas nas visitas guiadas ao museu. Além das peças de Guerreiro, também
ficavam reunidos naquele espaço, de forma desordenada, objetos exóticos, como
membros de indígenas mumificados, adornos andinos e animais defeituosos
natimortos conservados em formol.
As visitas de estudantes, iniciadas
na década de 1940, e o “trem da cultura”, projeto que nos anos 1970 levava
parte do acervo ao interior do estado, ajudaram a tornar ainda mais populares
os objetos de Guerreiro, principalmente as botas, mostradas de geração em
geração.
O interesse despertado pelo Gigante no
museu faz pensar que, se o tempo em que o público se divertia vendo pessoas com
deficiência sendo expostas já passou, o “diferente” ainda exerce um grande
fascínio. E não é por interesse médico ou por pena da anormalidade física, mas,
sobretudo, como forma de entretenimento, como ocorria há mais de 100 anos.
Letícia Borges Nedel é coordenadora do Centro de Pesquisa e Documentação da FGV de São Paulo e autora da tese “Um passado novo para uma história em crise: regionalismo e folcloristas no Rio Grande do Sul” (UNB, 2005).
A exposição de pessoas com
deficiência era um negócio lucrativo até os anos 1940, principalmente nos
Estados Unidos.
Saiba Mais – Bibliografia
PORTER, Roy. “História do corpo”. In: BURKE, Peter (org.). A
escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992.
SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças. São Paulo: Cia. das Letras,
1995.
WEBER, Beatriz T. “Positivismo e ciência médica no Rio Grande do Sul: a
Faculdade de Medicina de Porto Alegre”. História, ciências, saúde – Manguinhos,
V(3): 583-601, nov. 1998-fev. 1999.
Saiba Mais – Internet
“Histórias Extraordinárias 2005 – O Gigante de Botas”,
produzido pela RBS TV RS, 2008.
(Do Blog Revista de
História)
Adeus para as botas do gigante
(Correio do Povo, 24
de dezembro de 2019)
O homem ao lado direito do gigante, chamava-se Giovanni Mutti. Meu bisavô. Os dois junto ao gigante eram os donos do circo. Ouvi muitas histórias sobre o gigante e outras atrações da época.
ResponderExcluirO gigante francisco angêlo guerreiro era tio da minha biza vó
ExcluirQue legal,vendo a foto ele tem os traços de meus tios.
ExcluirClaudia Guerreiro.
Bom dia, gostaria de ter mais informações sobre a história. Inclusive sobre a história do circo no Rio Grande do Sul.
ResponderExcluirProcure entrar em contato com os familiares de Giovanni Mutti, que eram os donos do circo onde se apresentava o Gigante. Leia as intervenções escritas acima.
ExcluirHistória interessante,sou gaúcha e não conhecia a história do gigante Guerreiro.
ResponderExcluirEu tenho quase 1.90 e tenho 12 anos e calço tamanho 46 47 e ainda não passei pelo o estirão, sera que posso ficar do tamanho dele?(eu sou de sapucaia do sul, no rio grande do sul).
ResponderExcluirVais passar dos 2 metros, com certeza.
ExcluirA cultura de uma região abrange vários aspectos seja ele politicos históricos entre outras, o fato de impedir uma história tão fascinante como a do nosso gigante não descaracteriza e nem diminui a importância da região e sim nos da mais visibilidade à nossa região que pode até se estender a outros países que se interressamem saber da história, não há motivos 0ara serciamento e sim termos orgulho de contar uma história tão fascinante que nada tem a ver com catástrofes e desgraças que assolaram nossa região
ResponderExcluirSim principalmente as crianças adoram essa histórias,deixem elas executarem suas lmaginaçoes