Martha Medeiros
Eu desejo que desejes ser feliz de um
modo possível e rápido, desejo que desejes uma via expressa rumo a realizações
não utópicas, mas viáveis, que desejes coisas simples como um suco gelado
depois de correr ou um abraço ao chegar em casa, desejo que desejes com
discernimento e com alvos bem mirados.
Mas desejo também que desejes com audácia, que desejes uns sonhos descabidos e que ao sabê-los impossíveis não os leve em grande consideração, mas os mantenha acesos, livres de frustração, desejes com fantasia e atrevimento, estando alerta para as casualidades e os milagres, para o imponderável da vida, onde os desejos secretos são atendidos.
Desejo que desejes trabalhar melhor,
que desejes amar com menos amarras, que desejes parar de fumar, que desejes
viajar para bem longe e desejes voltar para teu canto, desejo que desejes
crescer e que desejes o choro e o silêncio, através deles somos puxados pra
dentro, eu desejo que desejes ter a coragem de se enxergar mais nitidamente.
Mas desejo também que desejes uma alegria incontida, que desejes mais amigos, e nem precisam ser melhores amigos, basta que sejam bons parceiros de esporte e de mesas de bar, que desejes o bar tanto quanto a igreja, mas que o desejo pelo encontro seja sincero, que desejes escutar as histórias dos outros, que desejes acreditar nelas e desacreditar também, faz parte este ir-e-vir de certezas e incertezas, que desejes não ter tantos desejos concretos, que o desejo maior seja a convivência pacífica com outros que desejam outras coisas.
Desejo que desejes alguma mudança,
uma mudança que seja necessária e que ela não te pese na alma, mudanças são
temidas, mas não há outro combustível para essa travessia. Desejo que desejes
um ano inteiro de muitos meses bem fechados, que nada fique por fazer, e
desejo, principalmente, que desejes desejar, que te permitas desejar, pois o
desejo é vigoroso e gratuito, o desejo é inocente, não reprima teus pedidos
ocultos, desejo que desejes vitórias, romances, diagnósticos favoráveis, mais
dinheiro e sentimentos vários, mas desejo, antes de tudo, que desejes,
simplesmente.
*****
Crônica publicada em
ZH em 2002
(Do livro “Os
cronistas de Zero Hora”, março de 2002)
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