quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Trem em três poemas



Trem de Alagoas

Ascenso Ferreira

O sino bate,
o condutor apita o apito,
solta o trem de ferro um grito
põe-se logo a caminhar...
− Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...
Mergulham mocambos
nos mangues molhados,
moleques, mulatos,
vêm vê-lo passar.
− Adeus!
− Adeus!
Mangueiras, coqueiros
cajueiros em flor
cajueiros com frutos
já bons de chupar...
− Adeus, morena do cabelo cacheado!
Mangabas maduras,
mamões maduros,
mamões amarelos,
que mostram molengos
as mamas macias
pra gente mamar...
−- Vou danado pra Catende,
vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...
Na boca da mata
há furnas incríveis
que em coisas terríveis
nos fazem pensar:
− Ali dorme o Pai-da-Mata
− Ali é a casa dos caiporas
− Vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...
Meu Deus! Já deixamos
a praia tão longe...
No entanto avistamos
bem perto outro mar...
Danou-se! Se move,
se arqueia, faz onda...
Que nada! É um partido
já bom de cortar
− Vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...
Cana caiana,
cana roxa,
cana fina
cada qual a mais bonita,
todas boas de chupar..
− Adeus, morena do cabelo cacheado!
− Ali dorme o Pai-da-Mata!
− Ali é a casa dos caiporas!
−Vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
vou danado pra Catende
com vontade de chegar...

Trem de ferro

Manuel Bandeira

Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria que foi isto maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seo foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força

Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!

Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ourucuri
Oô...

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...

Trem sujo da Leopoldina

Solano Trindade

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Piiiiii

estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar

Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome

Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer

Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuu

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