sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Cheio de nove horas



A história consagrou as nove horas (da noite) como a hora em que as pessoas deviam se recolher. Era a hora de interromper uma visita, um jogo ou qualquer diversão e ir para casa. O Brasil adotou esse costume, documentado em diversos textos, inclusive num poeminha popular do século XIX:

“Nove hora! Nove hora!
Quem é de dentro, dentro,
Quem de fora, fora!”

Nessa época, o regulamento do serviço policial do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras tinha um dispositivo advertindo que, depois das nove horas, “ninguém será isento de ser apalpado e revistado”.

E foi nesse século que surgiu a adjetivação cheio de nove horas para o sujeitinho cheio de regras, de censuras e de limites às alegrias alheias.

(Do livro “A Casa da Mãe Joana”, de Reinaldo Pimenta)

Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), pesquisador natalense que escreveu, entre muitos outros livros, “Locuções tradicionais do Brasil”. Câmara Cascudo começa falando da importância que antigamente, e por muito tempo, tinha na vida social – e não só na brasileira – o limite das nove horas da noite, “a hora clássica do século XIX, regulando o final das visitas, ditando o momento das despedidas”.

Qualquer um que teimasse em ficar na rua depois disso poderia ser “apalpado e revistado” pela polícia, e “apenas os boêmios, notívagos impenitentes, teimavam em afrontar os perigos da noite, da polícia, dos ladrões e capoeiras esfaimados”.

Não se deve imaginar que o limite estraga-prazeres das nove da noite tenha sido uma criação do século XIX. Câmara Cascudo cita uma frase reveladora do escritor português seiscentista Francisco Manuel de Melo: “Não dera ainda as nove horas, que é a taxa de todo cativeiro do matrimônio!”. Tradução: o marido que não voltasse para casa às nove estaria em apuros.

Uma figura foi criada nessa época, era como um matrimonialista, cerimonialista que fazia questão de lembrar todas as regras de conduta e impor limites aos outros. Era um controlador da vida dos outros e dos pecados alheios. Essa figura era o “cheio de nove horas”.

Assim então surgiu tal expressão que para nós significa uma pessoa chatinha, cheia de frescuras e manias.



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