segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Sonetos às divas ou às esposas mortas


Catarina de Ataíde por Pedro Américo-1878

→ A notícia da morte de Dona Catarina de Ataíde não chegou a Camões, segundo parece, senão por ocasião da sua volta a Macau, onde tinha ido desempenhar uma missão de que o tinha encarregado o governador das Índias, Francisco Barreto. Pouco depois de chegar a Goa foi metido na cadeia, como se sabe; e foi durante o seu cativeiro que ele chorou a morte de D. Catarina. Num soneto imitado de Petrarca compara-se a uma ave privada da sua companheira, que ele tinha visto através das grades da gaiola. Um outro soneto, em que se dirige à alma bem-aventurada daquela a quem amava, é um dos trechos mais célebres da poesia portuguesa:

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
.
Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.
.
E se vires que pode merecer-te
Alguma coisa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
.
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís de Camões

→ A morte da companheira do poeta Filinto de Almeida, Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) inspirou-o a elaborar este belo soneto, que Alberto de oliveira leu aos seus confrades, numa sessão da Academia Brasileira de Letras, depois de observar que os versos de Filinto eram dignos de figurar ao lado dos de Camões a Catarina e de machado de Assis a Carolina.

Dorme em meu coração, dorme tranquila:
Enquanto ele bater, nele estarás;
E não te acorde a dor que me aniquila,
Nem no ouças dizer-me: “Ela aqui jaz”.

Esta, de que sou feito, humana argila,
Por ti no sofrimento se compraz,
Orvalhando, com o pranto que destila,
Meu Horto de Oliveiras... Dorme em paz.

Dorme em paz, meu amor... Quero embalar-te
Nestas cantigas de tristeza e dó.
Em bebidas de lágrimas sem arte.

E quando eu acabar, suplico só
Que a mim teus filhos venham misturar-te
Nas mesmas cinzas e no mesmo pó.

Filinto de Almeida

Carolina Augusta Xavier de Novaes e Joaquim Maria Machado de Assis casaram-se no dia 12 de novembro de 1869 e viveram uma plácida e amorosa vida conjugal durante 35 anos. A morte da esposa, em 1904, deixa Machado de Assis abatido e queixoso. Em 1906, o poeta escreve “A Carolina”, seu mais pessoal e profundamente sofrido poema. O soneto faz parte do livro “Relíquias de Casa Velha”, e foi o último escrito pelo autor. Fontes: Folha Ilustrada de 22 de setembro de 2009 e “Toda Poesia de Machado de Assis”, de Cláudio Murilo Leal.

Soneto “A Carolina” foi o último escrito por Machado de Assis.

À Carolina

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, − restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos. 

Machado de Assis

Nenhum comentário:

Postar um comentário