quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O pato

Jaime Silva & Neusa Teixeira


“O pato” fazia parte do repertório dos “Garotos da Lua” desde o final dos anos quarenta. Entretanto, jamais foi gravado pelo conjunto e, provavelmente, permaneceria inédito em disco se não tivesse caído nas graças de João Gilberto. Ex crooner do grupo, João apaixonara-se por este samba inusitado e fez questão de incluí-lo em seu segundo elepê.


João Gilberto, ao alto no centro, nos Garotos da Lua.

Jaime Silva (1921-1973) era um mulato alto, elegante e simpático”, segundo Ruy Castro no livro “Chega de saudade”. Alagoano de nascimento, mas morando no Rio desde menino, era sapateiro do serviço de intendência do exército, além de pandeirista e eventual compositor, nas horas vagas. Costumava namorar sua futura esposa, Maria, no ‘Campo de Santana’, Zona Centro do Rio de Janeiro, onde observando patos e marrecos se esbaldarem no laguinho local prometia, contemplativo: “ainda vou fazer uma música com esses patinhos…”.

E isso de fato logo aconteceu, quando ele compôs, com a parceira Neuza Teixeira, “Aves no samba”, título que modificaria para “O pato”, por sugestão de João Gilberto. Como “Lobo bobo”, “O pato” acabou caracterizando o lado galhofeiro da bossa nova, concentrado na letra que descreve a exótica cena de um quarteto vocal, formado pelo pato, o marreco, o ganso e o cisne ensaiando à beira da lagoa o “Tico-tico no fubá”.

Além da graciosa interpretação do João, contribuiu para o sucesso da canção o saboroso arranjo timbrístico de Tom Jobim, elaborado com o cantor nos dez dias de janeiro de 1960 passados no sítio em ‘Poço Fundo’ onde o disco foi concebido.

Destaca-se nesse arranjo um contraponto da flauta (respondendo às palavras “o Tico-tico no fubá”) e do clarone, com intervenções tão marcantes aos “quem-quem”, que suas frases terminaram por se incorporar à própria composição. O final em fade-out é um dos momentos mais deliciosos da bossa nova, com possibilidades de variações harmônicas e de improvisos que parecem não ter fim. Não foi assim à toa que Jobim escreveu na contracapa desse álbum: “E tudo foi feito num ambiente de paz e passarinho. P.S. — As crianças adoraram ‘O pato’.”

(A Canção no Tempo – Volume 2,
de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello).

O pato incompreendido

Em meados dos anos 1950, o compositor Jaime Silva* apareceu com um samba muito esquisito. Chegou numa roda dos craques de Oswaldo Cruz e cantou assim:

O pato vinha cantando alegremente,
Quem, quem,
Quando um marreco sorridente pediu
Para entrar também no samba,
No samba, no samba.
O ganso gostou da dupla e fez também
Quem, quem, quem,
Olhou pro cisne e disse assim
Vem, vem,
Que o quarteto ficará bem,
Muito bom , muito bem.

Na beira da lagoa,
Foram ensaiar para começar O tico-tico no fubá.
A voz do pato era mesmo um desacato,
Jogo de cena com o ganso era mato,
Mas eu gostei do final
Quando caíram n’água
Ensaiando o vocal:
Qüem, qüem qüem, qüem
Qüem, qüem, qüem, qüem
Qüem, qüem, qüem, qüem
Qüem, qüem, qüem, qüem

Os velhos mestres da Portela se assustaram. Houve quem afirmasse, girando o indicador em torno da orelha:

− Compadre Jaime ficou biruta.

Mas o autor de O pato não desistiu, e teve sua perseverança premiada alguns anos depois, quando João Gilberto gravou a música com sucesso. Dizem que João levou semanas para aperfeiçoar o se “quem, quem”.

A partir daí, levado pelo êxito da primeira variedade, Jaime Silva compôs uma série de sambas O marreco, O ganso, O Cisne etc. Nunca mais deu certo.

(Do livro “Suíte gargalhada”, de Henrique Cazes)

*Composição de Jaime Silva e Neuza Teixeira


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