(Jean Manzon) (...) se tornara
mundialmente famoso em 1940 quando, ainda muito jovem, conseguira realizar a
seguinte proeza: fotografar, numa casa de saúde de Zurique, onde estava
internado com uma doença mental irreversível, o maior bailarino de todos os
tempos, o russo Vaslav Nijinsky.
No trem em que viajava, rumo a
Zurique, Jean Manzon olhava a paisagem nevada e pensava em como faria para
conseguir aquilo que ninguém até então conseguira, a foto proibida do Nijinsky
insano. O grande bailarino enlouquecera depois de ser abandonado por seu grande
amigo (e talvez amante) Serge Diaghilev, e também por sua mulher, a caprichosa
Romola Nijinsky, de quem se dizia ser ninfomaníaca. Nijinsky já encantara e escandalizara
plateias de várias partes do mundo, como principal estrela dos Ballets Russes,
com sua dança, muito moderna para a época, sua música, seus cenários e sua
filosofia panteísta, extremamente livre e sensual. Até que um dia, após uma
exibição de LʼAprès midi dʼun faune,
o bailarino começou a proferir um discurso desconexo, ameaçando despir-se em
pleno palco, diante do público aterrorizado.
Com audácia juvenil, Jean Manzon
aceitara o desafio de tentar fotografá-lo no hospício e pusera-se a caminho,
levando sua Leica moderníssima, equipada com filmes de extrema sensibilidade. Na
mala carregava também uma vitrola, parte essencial de seu plano para obter a
foto que até então todos os veteranos haviam tentado tirar, sem sucesso. Manzon
tinha esperança de que Nijinsky, ouvindo músicas dos balés que costumava
dançar, abandonasse subitamente seu mutismo de louco. Foi, portanto, com um
misto de esperança e temor que o fotógrafo se dirigiu ao sanatório, naquela
tarde fria e cinzenta. Levado por um médico, chegou ao quarto do doente
ilustre. Mas ao vê-lo, no leito, tomou um choque. No lugar do bailarino esbelto
que fascinara o mundo inteiro, encontrou um velho encanecido e gordo, imóvel
sobre a cama, com o olhar perdido. Tentou um cumprimento, mas não obteve
resposta. Passou então à execução do plano. Ligou a vitrola, que encheu o
quarto com a melodia de Le espectre de la
rose, de Weber. O balé de Michel Fokine conta a história de uma donzela
apaixonada que medita na solidão de seu quarto, vinda de uma festa onde recebeu
das mãos do amado uma rosa. A moça é então visitada pelo espectro da flor, que
dança para ela.
Ao ouvir as primeiras notas da
música, Nijinsky estremeceu violentamente, como se atingido por um raio. E,
segundos depois, no exato compasso em que, quando em cena, ele penetrava no
palco através de uma janela com um salto espetacular (com um alcance de sete
metros, jamais igualado por qualquer outro bailarino), ele se levantou. E,
erguendo os braços, saltou, subitamente leve, como um espectro de si mesmo, num
entrechat sobrenatural que era apenas
a imitação patética das perfomances que fizera em espetáculos de gala do
passado. Jean Manzon, que já tinha a máquina pronta, bateu o instantâneo,
preciso e oportuno. E em seguida o bailarino voltou a sentar-se na cama,
novamente inerte.
↑
O momento foi
capturado pelo fotógrafo Jean Manzon
e as fotos foram
apresentadas no Paris Match e na revista LIFE Magazine.
A fotografia inacreditável foi
publicada com destaque de uma página inteira no Paris Match, sendo depois
reproduzida em revistas e jornais do mundo inteiro. Era talvez o último
estertor do maior bailarino de todos os tempos. Poucos dias depois, Nijinsky
retornaria a Londres, onde morreria (em 1950) sem jamais recuperar a razão.
(Do livro “O Império
de Papel − Os Bastidores de O Cruzeiro”,
de Accioly Netto)
Vaslav e Romola
Nijinsky
Wacław Niżyńsky, em polaco;
Vatslav Fomitch Nijinsky, em russo
− no cirílico, Вацлав Фомич Нижинский (Kiev, 12 de março
de 1889
− Londres,
8 de abril
de 1950)
foi um bailarino
e coreógrafo
russo
de origem polaca.
Para os críticos,
Nijinsky era dotado de uma técnica extraordinária. Por isso, foi chamado por muitos como o
deus da dança, a oitava maravilha do mundo e o Vestris do Norte (referência ao
bailarino francês Auguste Vestris, junto ao
qual seria sepultado, no cemitério de Montmartre, em Paris).
Nijinsky revolucionou o balé no início do século XX,
conciliando sua técnica com um poder de sedução
da plateia: os seus saltos pareciam desafiar a lei da gravidade.
Nijinsky morreu de insuficiência renal em 8 de abril de 1950, em Londres.
Nelson da matta
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