terça-feira, 29 de janeiro de 2019

O Soldado e a Trombeta

Esopo, na versão de Olavo Bilac


Um velho soldado,
um dia, por terra,
a espada atirou;
da guerra cansado,
com nojo da guerra,
as armas quebrou.

Entre elas estava
trombeta esquecida:
era ela, que, no ar,
os toques soltava,
e à luta renhida
tocava avançar.

E disse: “Meu dono,
é justo que a espada
tu quebres assim!
Mas que, no abandono,
fique eu sossegada!
Não quebres a mim!

Cantei tão somente...
Não sejas ingrato
comigo também!
Eu sou inocente:
não piso, não mato,
não firo a ninguém...

Nas horas da luta
alegre ficavas,
ouvindo o meu som.
Atende-me! Escuta!
Se então me estimavas,
agora sê bom!”

E o velho guerreiro
Lhe disse: “Maldita!
Prepara-te! Sus!
Teu som zombeteiro
as gentes excita,
à guerra conduz!”

Terrível, irado,
jogou-a por terra,
sem dó a quebrou...
E o velho soldado,
cansado da guerra,
por fim repousou.

Olavo Bilac: Poesias Infantis. RJ: Francisco Alves. 1929.


Olavo Bilac – eleito príncipe dos poetas brasileiros, em 1907, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e também autor da letra do “Hino à Bandeira” – escreveu muitos poemas destinados ao público infantil. Segundo suas próprias palavras, era preciso achar assuntos simples, humanos, naturais, que, fugindo da banalidade, não fossem também fatigar o cérebro do pequenino leitor, exigindo dele uma reflexão demorada e profunda.

Em uma época de tantos conflitos mundiais, em que a paz é quase uma ordem, O soldado e a trombeta, embora tenha sido escrito há tanto tempo, tem muito a dizer para as crianças de hoje. Um velho soldado/ Um dia, por terra,/ a espada atirou;/ da guerra cansado,/ com nojo da guerra,/ as armas quebrou.

(Global Editora)


Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (16.12.1865 – 28.12.1918), jornalista, escritor e membro fundador da Academia Brasileira de Letras (1896), onde ocupou a cadeira 15, cujo patrono é o poeta Gonçalves Dias. É autor de Poesias Infantis (1904 ou 1929); Teatro Infantil (?); Contos Pátrios (1904); Antologia Poética (?); Crônicas e Novelas (1894); Tarde (1919); Crítica e Fantasia (1906); Tratado de Versificação (1910); Dicionário de Rimas (1913); Ironia e Piedade (1916); Conferências Literárias (1906).

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