segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

O passatempo

Paulo Sant′Ana*


Afinal, o que é a vida, em síntese? A vida não passa de um passatempo.

Todos nós vivemos a nos entregar a passatempos. Casar é uma forma de melhor passar o tempo, é o que imaginamos quando estamos noivos. Embora, depois de casados, quase sempre concluamos que nosso casamento foi a pior forma de passar o tempo, tanto que por aquela forma o desperdiçamos.

Ou então nos separamos do nosso cônjuge e dizemos: “Valeu!”. Isso quer dizer que não foi a melhor coisa que fizemos, mas pelo menos passamos o tempo com dignidade.

Tudo o que fazemos é para passar o tempo. Quando trabalhamos, trata-se de um passatempo. Quando vadiamos, passamos o tempo. Diz-se por “qualidade de vida” que se trata da forma mais profícua ou divertida de passar o tempo.

Daí que jogamos cartas para passar o tempo. Vamos ao cinema, namoramos, damos uma chegadinha no shopping, tudo para passar o tempo.

E há os que lucram abertamente com os nossos passatempos. Caso dos donos de estacionamentos, de bingos, de motéis, de videogames, de barcos e bicicletas de aluguéis etc. Todos esses exploradores dos nossos passatempos cobram por hora o tempo que passamos usando seus equipamentos.

E quando paramos no tempo, temos então de recorrer aos psicanalistas, que também nos cobram as consultas por tempo decorrido.

Ou você passa o tempo, ou você perde tempo. Perder tempo é parar no tempo, significa que não passou o tempo para você.

Perder tempo é escolher mal o passatempo. Quem ama passa o tempo. Quem se debate num amor frustrado perde tempo.

Já “ganhar tempo” é outra coisa. Significa parar no tempo para ali adiante encontrar-se com o passatempo mais eficaz.

Quem diz que está “ganhando tempo” não tem muita certeza disso. Porque lá adiante pode ver que o tempo que estava ganhando acabou em tempo perdido.

Tudo isso porque Deus ou a natureza nos enviou para a Terra com a finalidade inicial de nascer e o prazo final de morrer.

E o decurso entre o nascimento e a morte é o que se chama de vida, que não tem outro sinônimo que não seja tempo.

Como é teoricamente longo o decurso da vida – ou do tempo –, então toca o homem a passar o tempo.

Eu ando cismando há vários dias que, ao contrário do que diz a filosofia ou do que nos parece óbvio, o que fazemos, ao passar o tempo, é abreviar a morte. Porque o passatempo é o encurtamento da vida, uma forma de a tornarmos mais amena. E se encurtamos a vida pelo passatempo, então o que procuramos não é uma vida mais longa, e sim uma morte mais breve.

Porque, quando decidimos ir para a praia ou para a Serra, é porque achamos que lá o tempo vai passar mais depressa, isto é, mais fácil de suportar.

E quem quer que o tempo passe mais rápido deseja, em última análise, que a morte sobrevenha mais cedo.

A vida, portanto, é apenas um suceder constante de passatempos. E o homem criou esse objeto chamado relógio justamente para contabilizá-los e forçá-lo a se deter entretido com eles.

E só a morte pode parar com esta tortura da hora marcada e contada de minuto a minuto.

Porque só a morte para com o relógio, faz com que ele se torne inútil e ultrapassado. Porque com a morte conseguimos nos livrar do relógio, do tempo, do passatempo.

Pelo bálsamo e refúgio infinito da eternidade.

*****

Crônica publicada em 2000

(Do livro “Os cronistas de Zero Hora”, março de 2002)

*Francisco Paulo Sant'Ana (15 de junho de 1939 −19 de julho de 2017) foi um cronista, escritor e comentarista esportivo brasileiro, torcedor símbolo do Grêmio.

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