Paulo Sant′Ana*
Afinal, o
que é a vida, em síntese? A vida não passa de um passatempo.
Todos nós vivemos a nos entregar a
passatempos. Casar é uma forma de melhor passar o tempo, é o que imaginamos
quando estamos noivos. Embora, depois de casados, quase sempre concluamos que
nosso casamento foi a pior forma de passar o tempo, tanto que por aquela forma
o desperdiçamos.
Ou então nos separamos do nosso
cônjuge e dizemos: “Valeu!”. Isso quer dizer que não foi a melhor coisa que
fizemos, mas pelo menos passamos o tempo com dignidade.
Tudo o que fazemos é para passar o
tempo. Quando trabalhamos, trata-se de um passatempo. Quando vadiamos, passamos
o tempo. Diz-se por “qualidade de vida” que se trata da forma mais profícua ou
divertida de passar o tempo.
Daí que jogamos cartas para passar o
tempo. Vamos ao cinema, namoramos, damos uma chegadinha no shopping, tudo para
passar o tempo.
E há os que lucram abertamente com
os nossos passatempos. Caso dos donos de estacionamentos, de bingos, de motéis,
de videogames, de barcos e bicicletas de aluguéis etc. Todos esses exploradores
dos nossos passatempos cobram por hora o tempo que passamos usando seus
equipamentos.
E quando paramos no tempo, temos
então de recorrer aos psicanalistas, que também nos cobram as consultas por
tempo decorrido.
Ou você passa o tempo, ou você perde
tempo. Perder tempo é parar no tempo, significa que não passou o tempo para
você.
Perder tempo é escolher mal o
passatempo. Quem ama passa o tempo. Quem se debate num amor frustrado perde
tempo.
Já “ganhar tempo” é outra coisa.
Significa parar no tempo para ali adiante encontrar-se com o passatempo mais
eficaz.
Quem diz que está “ganhando tempo”
não tem muita certeza disso. Porque lá adiante pode ver que o tempo que estava
ganhando acabou em tempo perdido.
Tudo isso porque Deus ou a natureza
nos enviou para a Terra com a finalidade inicial de nascer e o prazo final de
morrer.
E o decurso entre o nascimento e a
morte é o que se chama de vida, que não tem outro sinônimo que não seja tempo.
Como é teoricamente longo o decurso
da vida – ou do tempo –, então toca o homem a passar o tempo.
Eu ando cismando há vários dias que, ao
contrário do que diz a filosofia ou do que nos parece óbvio, o que fazemos, ao
passar o tempo, é abreviar a morte. Porque o passatempo é o encurtamento da
vida, uma forma de a tornarmos mais amena. E se encurtamos a vida pelo
passatempo, então o que procuramos não é uma vida mais longa, e sim uma morte
mais breve.
Porque, quando decidimos ir para a
praia ou para a Serra, é porque achamos que lá o tempo vai passar mais
depressa, isto é, mais fácil de suportar.
E quem quer que o tempo passe mais
rápido deseja, em última análise, que a morte sobrevenha mais cedo.
A vida, portanto, é apenas um
suceder constante de passatempos. E o homem criou esse objeto chamado relógio
justamente para contabilizá-los e forçá-lo a se deter entretido com eles.
E só a
morte pode parar com esta tortura da hora marcada e contada de minuto a minuto.
Porque só a morte para com o
relógio, faz com que ele se torne inútil e ultrapassado. Porque com a morte
conseguimos nos livrar do relógio, do tempo, do passatempo.
Pelo
bálsamo e refúgio infinito da eternidade.
*****
Crônica publicada em
2000
(Do livro “Os
cronistas de Zero Hora”, março de 2002)
*Francisco Paulo Sant'Ana (15 de
junho de 1939 −19 de julho de 2017) foi um cronista, escritor e comentarista
esportivo brasileiro, torcedor símbolo do Grêmio.
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