Morte no avião
Carlos Drummond de Andrade
(Excerto)
Acordo para a morte.
Barbeio-me, visto-me,
calço-me.
É meu último dia: um dia
cortado de nenhum
pressentimento.
Tudo funciona como sempre.
Saio para a rua. Vou morrer.
Não morrerei agora. Um dia
inteiro se desata à minha
frente.
Um dia como é longo. Quantos
passos
na rua, que atravesso. E
quantas coisas
no tempo, acumuladas. Sem
reparar,
sigo meu caminho.
(...)
Sou vinte na máquina
que suavemente respira,
entre placas estelares e
remotos sopros de terra,
sinto-me natural a milhares
de metro de altura,
nem ave nem mito,
guardo consciência de meus
poderes,
e sem mistificação eu voo,
sou um corpo voante e
conservo bolsos, relógios, unhas,
ligado à terra pela memória e
pelo costume dos músculos,
carne em breve explodindo.
Ó brancura, serenidade sob a
violência
da morte sem aviso prévio,
cautelosa, não obstante
irreprimível aproximação de um perigo atmosférico
golpe vibrado no ar, lâmina
de vento
no pescoço, raio
choque estrondo fulguração
rolamos pulverizados
caio verticalmente e me
transformo em notícia.
Notícia de jornal:
O avião, um Boeing 707 prefixo PP-VJZ, realizou um pouso de emergência sobre uma plantação de cebolas, a cerca de quatro quilômetros do aeroporto francês, devido à fumaça existente dentro da cabine, provocada por um incêndio iniciado num dos banheiros do fundo do avião. O incêndio, a fumaça e a aterrissagem forçada resultaram em 123 mortes, com apenas onze sobreviventes (dez tripulantes e um passageiro).
*****
Ora,
neste ponto, uma questão se impõe: o que é Literatura? “Morte no avião” tem
total liberdade de expressão, não há nenhum compromisso de comprovação sobre o
que foi dito, cria-se uma realidade imaginária por meio de uma linguagem
conotativa.
Segundo
esta ordem de raciocínio, podemos dizer que Literatura é a inversão, a criação
de uma realidade própria por meio de um processo intencional de elaboração
estética do texto.
Observando
a realidade o artista cria uma realidade imaginária, a ficção, conforme sua
vivência, seu talento e sua sensibilidade.
Literatura:
trata-se de uma das artes que o homem produz. Tem seu material próprio que é a
linguagem humana, verbal. Linguagem que é sinônimo de pensamento, de ritmo.
Como afirmou Ezra Poind: literatura é linguagem carregada de significado e
“grande literatura” é, simplesmente, linguagem carregada de significado até o máximo
grau possível, tornando-se uma novidade que permanece sempre atual.
Por
isso, até hoje se lêem as obras de Homero − a Ilíada e a Odisseia. Da mesma
forma, até hoje se estudam Os Lusíadas, se representam as peças de Shakespeare,
se lêem os romances de Alencar e de Machado de Assis. Porque as obras de
Homero, Machado, Shakespeare, Camões e Alencar sempre são novidades. Mantêm
características inerentes ao homem na sua perenidade através dos tempos. Porque
“dizem” de maneira diferente sua mensagem. Porque vão além da simples
comunicação, tornando-se então metacomunicação.
Por
outro lado, por que não se continuam a ler jornais passados e as estórias
sentimentais das novelas em quadrinhos?
Porque
estas se mantêm apenas ao nível da comunicação (imediata), produzem nada além
de simplesmente traduzir numa linguagem comum coisas do dia-a-dia. Nada trazem
de original. Vivem a repetir o código linguístico com as palavras no seu
sentido cotidiano, comum, o sentido dicionarizado.
A
literatura não repete apenas o real visível, físico, palpável. Mas tendo em
vista um real reproduz esse real, acrescentando a ele o imaginário, numa fusão
de imaginação e percepção. Porque o artista percebe imaginando; imagina,
percebendo. E a literatura é a ficção, a criação de uma suprarrealidade com os
dados profundos e singulares, da intuição do artista.
Ao
contrário, a literatura cria. signos novos. Cria sentidos novos entre as
palavras, recriando-as sempre. Traduz o real imaginário que passa a ser a maior
das realidades. Isso passa a acontecer, principalmente, depois do romantismo,
instaurado mais ou menos em meados do século XIX.
(Do livro: Linguagem-Literatura-Comunicação,
de José M. de Souza. Dantas e Almir Moreira.)
LITERATURA:
vem do latim littera (letra), considerando etmologicamente abrange quaisquer
produções que se sirvam da palavra escrita. Desta forma, podemos incluir obras
didáticas e culturais. Um dicionário, um tratado de química. Por isto dizemos
literatura médica, jurídica, etc.
LITERATURA
é arte que exprime por meio da palavra.
Admitem-se
duas maneiras literárias:
1.
PROSA: expressão habitual, sem regras obrigatórias, excetuadas as qualidades
normais que caracterizam um bom estilo: correção, elegância, simplicidade,
precisão, clareza, concisão, harmonia.
2.
POESIA: expressão cadenciada, rítmica, quase música em palavra, ora compelindo
ao uso da métrica e da rima, ora sem rima.
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