segunda-feira, 31 de março de 2014

O que é Literatura



Morte no avião

Carlos Drummond de Andrade

(Excerto)

Acordo para a morte.
Barbeio-me, visto-me, calço-me.
É meu último dia: um dia
cortado de nenhum pressentimento.
Tudo funciona como sempre.
Saio para a rua. Vou morrer.
Não morrerei agora. Um dia
inteiro se desata à minha frente.
Um dia como é longo. Quantos passos
na rua, que atravesso. E quantas coisas
no tempo, acumuladas. Sem reparar,
sigo meu caminho.
(...)
Sou vinte na máquina
que suavemente respira,
entre placas estelares e remotos sopros de terra,
sinto-me natural a milhares de metro de altura,
nem ave nem mito,
guardo consciência de meus poderes,
e sem mistificação eu voo,
sou um corpo voante e conservo bolsos, relógios, unhas,
ligado à terra pela memória e pelo costume dos músculos,
carne em breve explodindo.

Ó brancura, serenidade sob a violência
da morte sem aviso prévio,
cautelosa, não obstante irreprimível aproximação de um perigo atmosférico
golpe vibrado no ar, lâmina de vento
no pescoço, raio
choque estrondo fulguração
rolamos pulverizados
caio verticalmente e me transformo em notícia.

Notícia de jornal:

O avião, um Boeing 707 prefixo PP-VJZ, realizou um pouso de emergência sobre uma plantação de cebolas, a cerca de quatro quilômetros do aeroporto francês, devido à fumaça existente dentro da cabine, provocada por um incêndio iniciado num dos banheiros do fundo do avião. O incêndio, a fumaça e a aterrissagem forçada resultaram em 123 mortes, com apenas onze sobreviventes (dez tripulantes e um passageiro).

*****

Ora, neste ponto, uma questão se impõe: o que é Literatura? “Morte no avião” tem total liberdade de expressão, não há nenhum compromisso de comprovação sobre o que foi dito, cria-se uma realidade imaginária por meio de uma linguagem conotativa.

Segundo esta ordem de raciocínio, podemos dizer que Literatura é a inversão, a criação de uma realidade própria por meio de um processo intencional de elaboração estética do texto.

Observando a realidade o artista cria uma realidade imaginária, a ficção, conforme sua vivência, seu talento e sua sensibilidade.

Literatura: trata-se de uma das artes que o homem produz. Tem seu material próprio que é a linguagem humana, verbal. Linguagem que é sinônimo de pensamento, de ritmo. Como afirmou Ezra Poind: literatura é linguagem carregada de significado e “grande literatura” é, simplesmente, linguagem carregada de significado até o máximo grau possível, tornando-se uma novidade que permanece sempre atual.

Por isso, até hoje se lêem as obras de Homero − a Ilíada e a Odisseia. Da mesma forma, até hoje se estudam Os Lusíadas, se representam as peças de Shakespeare, se lêem os romances de Alencar e de Machado de Assis. Porque as obras de Homero, Machado, Shakespeare, Camões e Alencar sempre são novidades. Mantêm características inerentes ao homem na sua perenidade através dos tempos. Porque “dizem” de maneira diferente sua mensagem. Porque vão além da simples comunicação, tornando-se então metacomunicação.

Por outro lado, por que não se continuam a ler jornais passados e as estórias sentimentais das novelas em quadrinhos?

Porque estas se mantêm apenas ao nível da comunicação (imediata), produzem nada além de simplesmente traduzir numa linguagem comum coisas do dia-a-dia. Nada trazem de original. Vivem a repetir o código linguístico com as palavras no seu sentido cotidiano, comum, o sentido dicionarizado.

A literatura não repete apenas o real visível, físico, palpável. Mas tendo em vista um real reproduz esse real, acrescentando a ele o imaginário, numa fusão de imaginação e percepção. Porque o artista percebe imaginando; imagina, percebendo. E a literatura é a ficção, a criação de uma suprarrealidade com os dados profundos e singulares, da intuição do artista.

Ao contrário, a literatura cria. signos novos. Cria sentidos novos entre as palavras, recriando-as sempre. Traduz o real imaginário que passa a ser a maior das realidades. Isso passa a acontecer, principalmente, depois do romantismo, instaurado mais ou menos em meados do século XIX.

(Do livro: Linguagem-Literatura-Comunicação,
de José M. de Souza. Dantas e Almir Moreira.)

LITERATURA: vem do latim littera (letra), considerando etmologicamente abrange quaisquer produções que se sirvam da palavra escrita. Desta forma, podemos incluir obras didáticas e culturais. Um dicionário, um tratado de química. Por isto dizemos literatura médica, jurídica, etc.

LITERATURA é arte que exprime por meio da palavra.

Admitem-se duas maneiras literárias:

1. PROSA: expressão habitual, sem regras obrigatórias, excetuadas as qualidades normais que caracterizam um bom estilo: correção, elegância, simplicidade, precisão, clareza, concisão, harmonia.

2. POESIA: expressão cadenciada, rítmica, quase música em palavra, ora compelindo ao uso da métrica e da rima, ora sem rima.



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