terça-feira, 12 de junho de 2018

Moda da Viúva

Colhido por Cornélio Pires


Eu fiz um passeio a luxo,
Já foi no ano passado,
Eu namorei uma viúva
Na jinela de um sobrado.

Comecei a repará
E fui ficano inlevado
Ela virô-se e me disse:
- Que caipirinha pasmado!

Eu virei, disse pra ela:
- A senhora tá inganado,
Eu sô um caipira dereito,
Sô um rapaiz bem inducado.

Pra cumprir cum meus dever
Dinhero num tem fartado.
Ela virô-se e me disse,
mas com jeito de caçoada
- Você suba aqui pra riba
Pra nóis proseá sussegado.

Puis eu gosto de falá
Cum quem fala desinleado,
Quano eu entrei no salão,
Já fui ficano espantado,
se por vê aqueles perparo
Que eu não era acustumado.

Cheio de tope de fita
Muito bem aperparado,
Num levô muita demora
Apareceu uma criada
Cuma bandeijinha branca
E duas chicra pintado.

Pra tomá café-com-leite
Com doce de bão-bocado,
Eu oiei na cara dela
Fiquei muito invergonhado...
Meu braço pegô tremê
E ficô desguvernado!

Minha chicra de café
Derramô mais da metade...
E o que mais me avexava
Que eu ficava incomodado,
Que meu coração batia
Como o batuque do machado.

Ai! Que vergonha tirana,
Eu fiquei desesperado!
Ela virô-se e me disse:
- O vosso modo me agrada.
Eu quero que você saiba
Que sou a viúva endinheirada
E que ajustá você
Para ser meu empregado.

Já era detardezinha
Tinha o sór já descambado
Me mostrô os curtinado
Travesseirinho de renda
E o cubertô pintado.
Me deu um espertadô
Pra vê se tava parado.

- Acerte na hora certa
Para durmi sussegado,
Porque ele há de te chamá
Aminhã, de madrugada
Espertadô de realexo
Que eu nunca tinha inxergado.

Eu inté aqui tenho visto
De um que faiz um baruiado,
Mais este tocava lindo
Me deu sono mais pesado...
Na hora que eu acordei
Tinham tudo levantado!

Sentei na bera da cama
Recordando os meus passado
Aí é que se alembrei
Que eu sô um home casado,
Eu cheguei num lavatório
Que inxerguei ansim de um lado.

Eu lavei a minha cara,
Inxuguei bem inxugado,
E fui cumbersá c'oa viúva
Já fui de cara lavado.
Eu cheguei adiante dela
E falei minha verdade:
- O trato que nóis fizemo
Decerto tá desmanchado.

Foi hoje que eu se lembrei
Que sô um home infamiado
Ela virô-se e me disse
Muito triste, apaixonada:
- O que é que eu hei-de fazê
Num tenho sorte pra nada!
A póvre ficou chorano
E eu saí dano risada.

(Pires, Cornélio Sambas e cateretês. Itu, Ottoni Editora, 2004, p.14-17 
 (Conversa Caipira)



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