(À maneira dos…
Turcos)
Millôr Fernandes
Na ensolarada tarde de abril a jovem
vinha andando pelo campo trazendo à cabeça a bilha d’água fresco recém-apanhada
no córrego (1). Tentava aqui e ali se proteger, sem deixar de andar nesta e
naquela sombra de árvore que marchetava a estrada gramada. Assobiava uma
melodia entre triste e alegre. Eis senão quando do alto da colina, num só
galopar, desce, com a fúria que se acende na raça ao meio-dia, um fauno
completo e acabado no corpo, no espírito e na flautinha. Faceiramente, pôs-se a
acompanhar a senhoritinha no passo e na melodia. Ela tentou não lhe dar
atenção, fingiu ignorá-lo, parou de assobiar, pensou em outra coisa (2). O
fauno, então, disse, num tom de voz de ardor e sinceridade incomparáveis:
− “Tenho paixão por você, Amo-a como
ninguém jamais amou ninguém. Não poderia viver sem você”.
Disse então a moça:
− “Não vejo por que alguém se apaixonaria por mim dessa maneira; eu, sem graça e sem beleza, quando logo ali atrás vem minha Irmã que e a mulher mais linda e encantadora de Bethgarem”.
O fauno olhou e não viu
vivalma:
− “Por que me engana dessa
maneira?”, perguntou.
− “Não vejo ninguém”.
− “Bem”, respondeu a senhoritinha,
“por que queria experimentar a sua sinceridade. Se você me amasse realmente não
olharia para trás”.
Moral:
Mais vale um urubu na mão do que um faisão inventado pela
malandra Imaginação do urubu.
(1) “Se me restassem 45 minutos
de vida, usá-los-ia caminhando com as mãos nos bolsos em direção a uma fonte”
(Saint Exupéry)
(2) Diga-se a bem da verdade: foi-lhe difícil.
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