terça-feira, 19 de junho de 2018

Prova de Amor

(À maneira dos… Turcos)

Millôr Fernandes


Na ensolarada tarde de abril a jovem vinha andando pelo campo trazendo à cabeça a bilha d’água fresco recém-apanhada no córrego (1). Tentava aqui e ali se proteger, sem deixar de andar nesta e naquela sombra de árvore que marchetava a estrada gramada. Assobiava uma melodia entre triste e alegre. Eis senão quando do alto da colina, num só galopar, desce, com a fúria que se acende na raça ao meio-dia, um fauno completo e acabado no corpo, no espírito e na flautinha. Faceiramente, pôs-se a acompanhar a senhoritinha no passo e na melodia. Ela tentou não lhe dar atenção, fingiu ignorá-lo, parou de assobiar, pensou em outra coisa (2). O fauno, então, disse, num tom de voz de ardor e sinceridade incomparáveis:

− “Tenho paixão por você, Amo-a como ninguém jamais amou ninguém. Não poderia viver sem você”.

Disse então a moça:

− “Não vejo por que alguém se apaixonaria por mim dessa maneira; eu, sem graça e sem beleza, quando logo ali atrás vem minha Irmã que e a mulher mais linda e encantadora de Bethgarem”.

O fauno olhou e não viu vivalma:

− “Por que me engana dessa maneira?”, perguntou.

− “Não vejo ninguém”.

− “Bem”, respondeu a senhoritinha, “por que queria experimentar a sua sinceridade. Se você me amasse realmente não olharia para trás”.

Moral:

Mais vale um urubu na mão do que um faisão inventado pela malandra Imaginação do urubu.

(1) “Se me restassem 45 minutos de vida, usá-los-ia caminhando com as mãos nos bolsos em direção a uma fonte” (Saint Exupéry)

(2) Diga-se a bem da verdade: foi-lhe difícil.


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