A Vida a Bordo
Representação mítica
do mar tenebroso pelos europeus (século XV)
Era dura a vida durante as viagens na
época dos descobrimentos. Cercados de privações, disciplina rígida, os marujos
enfrentavam ainda o medo do desconhecido. Além das tempestades, sol inclemente
e chuva, ainda havia a ameaça de monstros imensos e a crença de que o mundo
podia acabar num terrível abismo...
Os navios comandados por Cabral eram
quartéis flutuantes: reinava a bordo a mais severa disciplina. Submetidos a uma
dieta pobre e a regras rígidas, os tripulantes não desfrutavam de conforto
algum, e raros eram os momentos de lazer. A maioria dos homens dormia ao
relento, no convés, pois os porões eram ocupados por tonéis com água, vinho e
carne salgada. A capacidade dos navios era medida pelo número de tonéis a bordo
(origem da expressão “tonelagem”). A base da alimentação eram duros biscoitos
de água e sal, que, como o nome indica (“bis”: dois; “coctus”: cozido), eram cozidos
duas vezes para durar mais tempo. Os homens recebiam rações iguais: 1,5 litro de água e 1,5 litro de vinho por
dia e 15Kg de carne por mês. As refeições eram preparadas em pequenos fogões.
Estudos recentes mostram que a ração
servida aos marujos dos séculos XV e XVI tinha apenas 3.500 calorias/dia. Para
enfrentar a dureza da vida náutica, eles precisariam de, no mínimo, 5 mil
calorias/dia. A carência alimentar provocava reflexos negativos na condição
física e psíquica da tripulação.
A água tinha mau cheiro e
causava diarreia. Alguns homens passavam tão mal que faziam suas necessidades
no porão. Ninguém se lavava: o banho era considerado nocivo à saúde. O contato
com os animais levados a bordo (ovelhas e galinhas) aumentava o risco de
doenças, e epidemias eram comuns. Tão logo os navios começavam a “corcovear”
nas ondulações do Atlântico, os marinheiros de primeira viagem vomitavam,
“sujando-se uns aos outros”. Mas os enjoos eram o de menos: as condições
higiênicas, os perigos do mar e a luta contra outros povos faziam com que
quatro entre dez homens da tripulação não voltassem para casa. A cada três
navios que partiam de Portugal, um era “comido pelo mar”, expressão utilizada
na época que significava o naufrágio ou o fato de uma nau simplesmente ficar à
deriva e perder-se da frota numa calmaria ou numa tempestade. Os perigos eram
imensos, os riscos eram dramáticos, o que reduzia muito as chances de retorno.
Por isso, antes de zarpar, os marujos assinavam seu testamento e recebiam um
ano de salário adiantado.
As Crianças do Mar
http://marinhadeguerraportuguesa.blogspot.com.br/2011/02/
Quadros da Armada
Real Portuguesa
Pelo menos 10% dos tripulantes da
frota de Pedro Álvares Cabral eram
crianças entre 9 e 15 anos de idade. Algumas haviam sido recrutadas
compulsoriamente, mas a maioria fora alistada pelos próprios pais, que
embolsavam o soldo dos meninos. A presença de crianças a bordo foi um fenômeno
constante ao longo do ciclo de descobrimentos portugueses. Os navios precisavam
de grumetes, e os oficiais necessitavam de pajens. Grumetes e pajens eram
sempre garotos. A vida dos “miúdos” a bordo era um inferno em meio ao mar.
Aos grumetes cabiam as piores tarefas
do navio: lavar o convés, limpar excrementos, costurar as velas. “Se não
atender ao segundo toque do apito, os marinheiros descarregam-lhes grandes
golpes de bastão”, escreveu um viajante. Pajens e grumetes muitas vezes sofriam
abusos sexuais, e mulheres eram vetadas a bordo. As crianças também se viam
forçadas a conviver com degredados, criminosos cujas penas haviam sido
comutadas em exílio. Na
esquadra de Cabral, por exemplo, vieram 20 degredados.
(Texto do livro
“Brasil: Terra à Vista!”, de Eduardo Bueno)
Pedro Alvares Cabral
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