terça-feira, 5 de junho de 2018

Dois sonetos


Os 110 Amigos


Camilo Castelo Branco

Amigos, cento e dez, ou talvez mais
Eu já contei. Vaidades que sentia:
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais!

Amigos, cento e dez, tão serviçais
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que já farto de os ver me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.

Um dia adoeci profundamente:
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.

- Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego, não nos pode ver?
- Que cento e nove impávidos marotos...

 À Minha Porta

 Clóvis Soares Siedler

Um dia alguém bateu de leve à minha porta:
“Deixa-me entrar (pediu), tristonho ser que chora!
Que eu quero despertar tua alma quase morta...”
- Era a Esperança vã... e eu a mandei embora.

Um dia alguém bateu de novo à minha porta:
- “Eu trago o linimento ao mal que te devora!
Inda que seja imensa a tua dor... que importa?”
- Era a Ilusão (tão bela)... e eu a mandei embora.

Depois... o Amor, a Glória, o Sonho, a Ambição,
Todos bateram, e eu a todos despedindo
Os fui; e me quedei com minha solidão...

Um dia alguém chegou, mas não bateu; abriu
A porta e, docemente, me abraçou sorrindo:
- Era a Saudade; entrou... e nunca mais partiu...


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