sexta-feira, 29 de junho de 2018

Amigo é pra essas coisas...



Prezado amigo Ximenes.

Pensei muito antes de sentar-me aqui e escrever uma carta dirigida a você. Somos amigos de longa data e nossa amizade está alicerçada em bases seguras e fiéis.

Fomos jovens um dia e, juntos, cursamos a faculdade e sempre nos demos muito bem. Lembro quando você começou a namorar a Elizélia, aquela magrela, sem graça e com a qual você acabou se casando. Eu dei a maior força, porque sabia que era o que você queria. “Elizélia ou nada”, você dizia, brincando.

Depois, Ximenes, vieram os problemas com a firma e você começou a beber além do social, além do normal. Mas Elizélia, ao contrário, pés no chão, se cuidou, ficou mais robusta, mais bonita.

Por tudo isso, nossa amizade, fica tão difícil para eu traçar essas linhas, que sei, devem magoar você. Precisei reunir coragem para me sentar aqui e abrir meu coração, sabendo de antemão que você não me perdoará.

Sabe, amigo, naquelas noites em que você bebia de cair, era sempre eu quem o levava até sua casa. Lá, sempre éramos recebidos pela Elizélia, coitada, tirada da cama, com aquela roupa leve e transparente, belíssima, corpo sinuoso, cabelos desgrenhados, o que lhe dava um ar despojado e excitante, mas sempre com um sorriso luminoso nas faces róseas. Ah, Elizélia, eu saía de sua casa com os piores pensamentos possíveis.

Então, Ximenes, numa dessas noitadas irresponsáveis a que você se entrega, depois de jogá-lo na cama, fiquei na sala conversando com sua mulher e, infelizmente, não resisti e, curiosamente, ela também não. Chegamos às vias de fato e, Ximenes, vai me perdoar, mas sua mulher é um avião sem controlador de voo. Foi a primeira de muitas noites, porque você só vive bêbado e sempre precisa que alguém (eu), o leve em casa.

Como sou seu amigo, resolvi contar tudo a você e é o que faço agora, com muito pesar. A culpa é minha, eu sei, mas como resistir às coxas firmes e morenas da Elizélia, como resistir àquele olhar maroto, maldoso, insinuante? E como resistir àquelas roupinhas que ela insiste em usar e que me deixam louco? O simples ato de pensar nela me deixa enrubescido. Sinto o corpo tremer e o coração dispara.

Olha, Ximenes, gosto muito de você, mas não tem outro jeito: você vai continuar se embebedando e eu vou continuar a transar com aquela deusa que mora na sua casa. Sua mulher é tudo, Ximenes, tudo, e eu sou um fraco!

[Ruído de papel de carta sendo amassado...]

(Clarival Vilaça*, abril de 2007)

*Clarival Vilaça é um poeta e contista bissexto, foi militar, paraquedista do Exército. Possui vários textos no Facebook.


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