“Dolores Duran cantava no Little
Club”, recorda Billy Blanco, ao descrever como nasceu “A banca do distinto”. E
prossegue: “Ali tinha um cidadão que ia de segunda a quinta para assistir à
Dolores. Ele gostava da voz de Dolores porque era poliglota, ela cantava em
todas as línguas sem sotaque. Sexta e sábado não ia porque nós fazíamos bossa
nova, era uma barulheira danada. Mas era um indivíduo esquisito, ele não se
dirigia à Dolores, não falava com ela, não cumprimentava, sentava na mesa de
lado, perto do microfone, chamava o garçom e dizia assim: ʽManda a negrinha
cantar o ʽNuncaʼ. Ele não dizia neguinha, era negrinha com todos os erres. O
garçom ia lá e dizia: ʽO homem mandou você cantarʼ. E ela cantava. Dali a pouco
ele chamava o Alberico Campana, que naquele tempo era o maître, e dizia: ʽManda
a negrinha cantar o ʽMenino grandeʼ. Alberico ia lá e dizia: ʽDolores, canta o
ʽMenino grandeʼ que o cara está tomando uísque escocês, por favor faz a vontade
deleʼ. E ela cantava. Quatro horas da manhã vinha um embrulho pra mesa dele,
era um sanduíche de filé pra viagem, ele devia ser um solteirão ou similar. Ele
pagava a conta, levantava e o garçom ia com o embrulho na mão e levava até o
carro pra ele. A Dolores me contou isso e fiz a música numa noite. No dia
seguinte fui na casa da Dolores às sete horas da manhã, porque eu sabia que era
dia de feira na General Osório. Quando cheguei, a Dolores, de guarda-chuva e
bolsa na mão:
− Que é que você quer?
− Vim aqui para mostrar um samba.
− Agora? Eu estou saindo para ir à
feira.
− Não. Tem que escutar essa música.
Peguei o violão e ali, em pé, ela com
a bolsa na mão:
− Canta.
Aí eu comecei: ʽNão fala com pobre.../O enfarte lhe pega e acaba essa bancaʼ. Ela
disse para a empregada: ʽVai pra feira, está aqui o dinheiro, está aqui a
bolsa, vai fazer a feira sozinhaʼ. E para mim:
− Vou cantar para aquele sacana hoje,
eu já sei que vai ficar feio.
Aprendeu durante o dia e à noite
cantou pra ele essa música que eu fiz:
A banca do distinto
Não fala com
pobre,
Não dá mão a
preto,
Não carrega
embrulho.
Pra que tanta
pose, doutor,
Pra que esse
orgulho.
A bruxa, que é
cega, esbarra na gente,
E a vida
estanca.
O enfarte lhe
pega, doutor,
E acaba essa
banca.
A vaidade é
assim,
Põe o bobo no
alto
E retira a
escada,
Mas fica por
perto esperando sentada,
Mais cedo ou
mais tarde ele acaba no chão.
Mais alto o
coqueiro, maior é o tombo do coco.
Afinal, todo
mundo é igual quando o tombo termina,
Com terra em
cima e na horizontal.
Era ʽA banca do distintoʼ. Foi feito
por causa disso. Mas o cara nem se tocou.”
(Do livro:
“Copacabana – A trajetória do samba-canção”,
de Zuza Homem de Mello)
de Zuza Homem de Mello)
P.S. Ouça, na internet, essa
música na voz de Dolores Duran, ou Elis Regina, ou ainda na voz do compositor:
Billy Blanco.
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