quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O Caso do Padre Ventríloquo

Por Rolando Boldrin


O Zequinha, menino de uns 10 anos de idade, era na fazenda do meu padrinho o que se pode chamar de “charrete boy”. Na cidade tem o motoboy, não tem? Então! Nas fazendas tem – ou tinha naquele tempo, que já vai longe – o charrete boy. O menino que com a charrete do fazendeiro vai buscar as coisas ou as pessoas na cidade.

Pois naquele dia, o Zequinha tinha ido buscar na cidade o Padre Antônio, que estava iniciando sua temporada por lá. Era um padre novo e tinha uma particularidade que a gente só ficou sabendo depois desse causinho que tô contando aqui e agora: ele era ventríloquo. Um dom que poucas pessoas possuem que é o de falar sem abrir a boca. Dizem que é uma técnica de emitir os sons pelo estômago. Aliás, um grande ventríloquo que existiu no Brasil foi o pai das cantoras Linda e Dircinha Batista. Chamava-se Batista Junior e se apresentava em circos e teatros. E, de lambuja, era um grande compositor.

Mas, seguindo no causo. O Padre Antônio sobe na charrete com o caipirinha Zequinha, ruma a fazenda do meu padrinho pra rezar uma missa. Logo na saída, o padre pergunta se era longe a tal fazenda, ao que o menino prontamente e muito espertamente lhe responde que levaria uns pares de horas. O que dava pra entender que era longe pra cacete e a viagem ia ser dolorosa ou dolorida para um padre que não estava acostumado a meter a bunda no banco duro de uma charrete velha conduzida por uma eguinha lerda.

Padre: – Oh, menino! Você sabia que os animais conversam?

Zequinha: – Entre eles, eu sabia, sim sinhô. Eles cunvérsa bastante.

Padre: – Não, filho. Estou dizendo que os animais conversam com a gente. Conosco. Mas para isso é preciso conversar com eles com muito amor. Você quer ver os animais conversando comigo?

Aí o menino, esperto, se encanta e atiça.

Zequinha: – Ara, sêo padre. Essa eu tô pagando pra vê. Animar conversa cum gente. Essa nunca vi não sinhô. E o sinhô me adiscurpa, mas num querdito.

Padre (falando para a égua): – Dona eguinha! Está muito pesada a charrete? (E faz a voz da égua sem abrir a boca) − Tááá... sêo padre.

O menino, num susto, para a charrete.

Zequinha (gaguejando): – Sêo... padre... a égua falô... a minha égua... respondeu pru sinhô... eu escutei...

Padre: – Todos os animais conversam com a gente. Quer ver mais?

O padre olha um urubu nos céus e fala:

Padre: – Bom dia, urubu. (E faz voz.) Bom dia, parceiro. Bom dia, sêo padre.

E assim, o Padre Antônio foi se divertindo com a surpresa encantada daquele caboclinho, que viu com os próprios olhos e ouvia ali, in loco, os bichos falando com aquele padre. Com isso, a viagem, que poderia ser longa, terminou logo, logo.

Zequinha: – Óia, sêo Padre! O sinhô tá vendo aquela cabrita branca ali na grama? Por favor, o sinhô num querdite em nada que ela falá prô sinhô, viu!


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