A capa do DVD do filme
Durante os trinta anos em que
lecionei, mais do que dar aulas, dei exemplos de vida. Lecionei em duas escolas
públicas e uma particular simultaneamente. Dizia, aos alunos, que havia três formas de uma
pessoa vencer e, consequentemente, ganhar dinheiro na vida: uma, apostando na
loteria e ganhando sozinho um prêmio fantástico; outra, descobrir que era o
único herdeiro de tio rico e desconhecido, como acontece muito nas novelas; e,
por último, estudar. Perguntava aos alunos qual era a hipótese mais lógica. A
resposta todos vocês já sabem.
À medida em que eu ia envelhecendo,
ia encontrando meus ex-alunos, ia encontrando ganhadores e perdedores.
Encontrei alunos nas mais variadas profissões liberais. A maioria ganhando
muito mais do que eu, e em profissões muito mais importantes do que a minha. Isso
me deixava imensamente feliz. Mas um exemplo deixou-me surpreendido.
Numa aula noturna de uma Escola
Municipal, alguém bateu na minha porta. Interrompi a aula e fui atender.
Deparei, na minha frente, com um jovem vestido com uma farda verde-oliva, com
as insígnias de terceiro sargento do Exército, perfilado, dando-me continência,
visivelmente emocionado. Olhei-o e recordei-me de quem se tratava:
- Não pode ser, logo você,
Airton! Como você conseguiu isso?
- Por um filme que o senhor
passou na sala de audiovisual.
- Que filme, cara, não
estou lembrando...
- “A Força do Destino”. Esse
filme mudou a minha vida.
Lembrei, então, do filme que,
inclusive em mim, deixou grandes impressões.
Nos anos 80, eu fui um professor
pioneiro, nas escolas municipais, a utilizar o videocassete em sala de aula. Eu
havia comprado um vídeo Betamax, julgando ser o melhor e que logo saiu de
estoque por ter uma tecnologia Sony exclusiva, e uma televisão de 14 polegadas . Uma vez
por mês, eu escolhia um filme de impacto psicológico e com uma temática de
vencedor para passar aos alunos. Escolhi o filme “A força do destino” (An officer
and a gentleman) com Richard Gere. O filme, para quem não o assistiu, trata de
um jovem desajustado, morando com um pai putanheiro, que resolve ser um oficial
aviador da Marinha Norte-Americana. Apesar de ser um jovem saudável e bom
desportista, ele é um grande trambiqueiro, ganhando dinheiro num comércio
ilegal dentro da Academia. É descoberto por um sargento durão* que resolve fazer
tudo para que ele peça desligamento voluntário. Aplica nele castigos físicos
cruéis para mandá-lo embora, quando o personagem, na passagem mais dramática do
filme, diz:
- Eu não tenho nada! Eu não
tenho ninguém! Eu não tenho para onde ir!
Recebe mais uma chance e se torna
oficial.
Quando o aluno Airton começou a me
dar problemas em sala de aula, consultei a sua ficha de avaliação psicológica,
e vi que ele tinha um pai autoritário e violento, que lhe aplicava algumas
surras constantemente. No filme, ele se viu na figura do personagem e de sua
família, percebendo que a vida poderia lhe dar uma chance, e ele tinha que
aproveitá-la.
Terminou o primeiro grau. Foi estudar
na Escola Técnica Parobé, uma das melhores de Porto Alegre. Quando foi servir,
já havia praticamente terminado o segundo grau, e já sabia o que queria ser.
Ele me abraçou. Foi embora, me
pedindo uma cópia do filme.
A partir daquela noite, eu já não fui mais o
mesmo. Sabia que havia mudado uma vida e a minha vida, como professor, seria um
pouco mais feliz e que valeu a pena ser um educador.
*****
*O sargento durão foi interpretado pelo ator Louis Gossset Jr. (1936), que ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante por esse filme An officer and a gentleman (A Força do Destino). Um filme imperdível!
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