segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Uma das últimas fotos de Machado de Assis


Uma das últimas fotos de Machado de Assis 
é encontrada na Argentina

Retrato do autor de 'Dom Casmurro' foi publicado
 por revista argentina  em janeiro de 1908, 
oito meses antes de ele morrer.


A foto descoberta: de corpo inteiro pouco antes de morrer
(Caras y Caretas/Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional de España)

De traje formal, casaca inclusive, o senhor de barba e cabelos brancos coloca a mão esquerda na cintura e olha meio de lado para a câmera através dos óculos pincenê. É Machado de Assis aos 68 anos.

Publicada originalmente em 25 de janeiro de 1908 da revista semanal argentina “Caras y Caretas”, a foto do escritor acaba de ser redescoberta pelo pesquisador independente Felipe Pereira Rissato.

De acordo com o Rissato, o retrato até hoje era desconhecido e é possivelmente o último do autor. “Certamente é dos três meses finais de 1907 ou mesmo de janeiro de 1908”, afirma o pesquisador. Machado de Assis morreu 29 de setembro de 1908, aos 69 anos.

O registro foi encontrado na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional de España, disponível on-line.

“Ademais, temos Machado de corpo inteiro e sozinho, algo que até então só havia sido observado em dois retratos de sua primeira sessão fotográfica, feita aos 25 anos (1864) no estúdio de Insley Pacheco, e mesmo assim, sentado. Mais tarde, acreditava-se que as lentes somente teriam capturado Machado de corpo inteiro rodeado por amigos.”


Machado de Assis aos 25 anos, em foto feita por Insley Pacheco em 1864; pertencente à coleção particular de Ruy Souza e Silva, o original traz a dedicatória: ‘A F[rancisco] Ramos Paz, excelente amigo/Machado de Assis’ (Foto: Insley Pacheco/Coleção Ruy Souza e Silva)

Para Rissato, “o que pode ter contribuído para que a imagem de Machado ora apresentada não tivesse sido referenciada anteriormente é o fato de sua publicação em revista estrangeira, a exemplo de uma imagem dele aos 61 anos, publicada na revista ‘Brasil-Portugal’, de Lisboa, em 1900 e descoberta em 2016”.

Há dois anos, o mesmo pesquisador havia encontrado a única imagem de Machado de Assis presidindo uma sessão da Academia Brasileira de Letras (ABL), feita em 1905.

A foto do ataque epilético


Fotografia 1º de setembro de 1907 mostra Machado de Assis sentado em um banco da Praça XV, no Rio, às 11h da manhã, sendo amparado após sofrer um ataque epilético; imagem era tida como o último registro feito do escritor feito em vida (Foto: Augusto Malta / Peregrino Júnior, ‘Doença e constituição de Machado de Assis’)

Há oficialmente 38 registros catalogados do autor de “Memórias póstumas de Brás Cubas” e “Dom Casmurro”. O conjunto apareceu reunido pela primeira vez em dezembro de 2016 na “Revista Brasileira”, publicação da ABL.

Naquela edição, Rissato escreveu o ensaio “Iconografia fotográfica de Machado de Assis”, no qual explicava que a última foto de Machado de Assis datava de 1º setembro de 1907 (veja acima).

Mas, daquela imagem, dá ver muito pouco de Machado de Assis – apenas a parte de trás da cabeça.

Ele está sentado num banco da Praça XV, no Rio, e é amparado por um homem. Um segundo sujeito parece abaná-lo, vários outros observam. O escritor tinha acabado de sofrer um ataque epilético.

“O Dr. Maxado (sic) de Assis acometido de uma síncope no caes da Pharoux – Rio – 1.9.07”, escreveu o fotógrafo Augusto Malta na identificação.

‘Machado: homem público do Brasil’



Matéria intitulada ‘Homens ilustres do Brasil’ publicada na revista semanal argentina ‘Caras y Caretas’ de 25 de janeiro de 1908 mostra foto de Machado de Assis; imagem é possivelmente o último retrato do autor feito em vida (Foto: Caras y Caretas/Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional de España)

O Machado de Assis que vemos na foto agora reencontrada é outro: está de corpo inteiro e posa num jardim.

O retrato saiu em uma matéria de página e meia na “Caras y Caretas” número 486. O título era “Homens públicos do Brasil”.

A revista argentina dá pouquíssima informação sobre o registro. Lê-se somente a seguinte legenda: “El escritor Machado de Assis presidente de la Academia de la Lengua Brasileña”.

‘Machado mais abatido’


Machado de Assis (o segundo da esquerda para a direita, na fileira de baixo) em almoço oferecido pelo ministro plenipotenciário da Colômbia ao prefeito Francisco Pereira Passos, em 8 de setembro de 1906 no jardim do Clube dos Diários (Cassino Fluminense) (Foto: Augusto Malta/Coleção IHGB)

Rissato conta que chegou a cogitar a possibilidade de a fotografia que acaba de encontrar ser na verdade um registro desconhecido de uma sessão feita durante um almoço de 8 de setembro de 1906 oferecido pelo prefeito Pereira Passos ao ministro plenipotenciário da Colômbia, Rafael Uribe.

No evento, foram feitas fotos no jardim do Clube dos Diários (Cassino Fluminense). Aquelas em que Machado de Assis aparece já eram conhecidas.

“Mas a foto que saiu na ‘Caras y Caretas’ não foi feita na mesma ocasião. Machado está com roupa diferente, gravata diferente. E ele está mais velho do que em 1906. Nesta de 1908, ele já está um pouco mais debilitado.”

Para atestar que o Machado de Assis da imagem agora encontrada está mesmo mais velho do que aquele de sessões anteriores, Rissato recorreu ainda à última fotografia do escritor feita em estúdio, de autoria de L[uiz] Musso & Cia., em fevereiro de 1907 (veja abaixo).

Machado de Assis aos 67 anos, em foto do estúdio L[uiz] Musso & Cia, de fevereiro, 1907; acredita-se que esta é a última foto do escritor feita em estúdio. Ela foi enviada a Alfredo Pujol, com autógrafo e data: ʽ18-2-1907ʼ. O original pertencente à Família de Mário Alencar tem a dedicatória: ‘Ao meu bom amigo Mário de Alencar / Machado de Assis / 1907’. (Foto: L. Musso & Cia./Coleção Ruy Souza e Silva)

(Fonte G1)

O que mostra uma imagem recém-descoberta
 de Machado de Assis


A recente descoberta, por parte do notável pesquisador independente Felipe Pereira Rissato, do que parece ser a última fotografia em vida do escritor Machado de Assis é importante na discussão sobre a cor de sua pele. Estampado na revista argentina Caras y Caretas, no ano de sua morte, o Machado de corpo inteiro é um homem evidentemente negro.

Trajado com perfeição, a barba e o bigode irretocáveis, apresentado como “presidente de la Academia de la Lengua Brasileña”. Ainda assim, ou por isso mesmo, esse instantâneo afro-brasileiro rompe com o modelo ático legado à posteridade. No improviso da tomada da foto se revela o racismo que hoje em dia felizmente se tornou inaceitável.

(Revista Veja, julho de 2018)



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