terça-feira, 9 de outubro de 2018

Réquiem para um médico



Era o esculápio mais procurado na cidade onde mais de cinco médicos obtinham sustento assegurado. Quem menos ganhava era o doutor Bracket, pois seus doentes eram justamente aqueles que não podiam pagar. Mesmo assim não deixava sem atendimento uma gestante em noite de intenso frio ou de cuidar de algum pobre diabo vítima de um acidente qualquer. Seu consultório se localizava em um sobrado, acima de um armazém. Havia uma escada estreita e, ao pé desta, na parede, estava afixada uma placa na qual se lia; “Dr. Bracket – lá em cima” palavras grosseiramente escritas.

Tornara-se noivo da filha de um banqueiro abastado, mas no dia do casamento chamaram-no para ver uma criança em estado febril e o nosso herói largou tudo. A noiva ofendida cortou relações porque “um homem como esse, capaz de faltar ao casamento por causa de uma criança, não prestava para marido”. Como de costume as madames apoiaram a noiva ultrajada(?), mas, os pais do garoto e o próprio enfermo, que sarou por completo, como era de esperar, se encheram de profunda gratidão pelo benfeitor.

Em resumo: Durante 40 anos, os enfermos e semialeijados, os cegos, todos os sofredores subiram as escadas que levavam ao consultório “Lá-em-cima” do humanitário clínico que nunca deixou de atender a ninguém. Mal cruzara os 70 anos, um dia, de repente, caiu morto no sofá do consultório. Foi um dos enterros mais importantes da cidade. Todos os moradores compareceram para chorar o seu amigo. E se falou em subscrição para dar uma sepultura condigna a doutor Bracket, mas, com sucede frequentemente nesses casos, a conversa foi esmorecendo e ficou a sepultura com epitáfio e tudo graças à iniciativa da família pobre daquele menino que o doutor havia salvado anos atrás. Era gente pobre, mas que não se conformou com o fato de não de não haver uma sepultura decente. Não tinham dinheiro, coitados, mas ocorreu-lhes uma ideia: foram buscar a placa do consultório e a puseram sobre a tumba. E aí ficou o aviso: “Dr. Bracket – lá em cima”.


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