sexta-feira, 21 de junho de 2019

História dos Passarinhos

Gildo de Freitas

Eu destinei um passeio,
Domingo muito cedinho,
Peguei o meu violão
E fui pro mato sozinho.
Descobri uma figueira,
Com os galhos cheios de ninhos,
E passei a manhã inteira
Embaixo dessa figueira
Apreciando os passarinhos.

Como eu estava achando lindo
O viver dos passarinhos,
Se via perfeitamente
Vir com a fruta no biquinho.
Se via quando eles davam,
No bico dos filhotinhos,
E eu ali estava entretido
Com o viver tão divertido
Da vida desses bichinhos.

Depois, veio o negro velho,
E também trazia um negrinho,
E este tinha uma gaiola,
E dentro dela um bichinho.
Perguntei que bicho é esse?
Diz ele, este é um canarinho.
Com este bicho que está aqui,
Nas florestas por aí,
Eu caço qualquer passarinho.
Cantava que redobrava
Aquele pobre bichinho,
Parece até que dizia:
− É triste eu viver sozinho...
Só porque eu fui procurar
Comida pros filhotinhos...
E fui parar nesse alçapão...
Hoje eu estou nesta prisão
E nunca mais fui no meu ninho.

Aí, eu fui recordando
O que já me aconteceu
Há muitos anos atrás,
Que a policia me prendeu.
O juiz me condenou,
E depois de mim se esqueceu.
E eu pelo rádio escutava
Quando o colega cantava
E aquilo me comoveu.
Então, eu fui perguntando
Quanto quer pelo bichinho?
Respondeu ele, eu não vendo,
Eu cacei pra o meu filhinho,
Porém saiu uma voz
Da boca do gurizinho.
E a gaiola custou dez,
Quem me der vinte mil réis,
Pode levar o passarinho.

Comprei com gaiola e tudo
Para evitar discussão,
E fui abrindo a portinha,
E abrindo meu coração,
E o bichinho foi saindo,
E eu peguei meu violão,
E num versinho eu fui dizendo
O que tu estavas sofrendo.
Eu já sofri na prisão.
Quem vai caçar de gaiola
Pra ver os bichos na grade
Deveriam ser punidos
Pela mesma autoridade,
Porque o coração dos bichos
Também consagro amizade.
Ó Lei tu faças o que puder,
Mas o bicho também quer
Ter a mesma liberdade.

*****

P.S. Escute essa música pela internet na voz do próprio autor: Gildo de Freitas.


Gildo de Freitas (Porto Alegre, 19 de junho de 1919Porto Alegre, 4 de dezembro de 1982), nome artístico do cantor e compositor nativista brasileiro Leovegildo José de Freitas.

Possuía um estilo muito próximo ao do também tradicionalista Teixeirinha, com quem, apesar de algumas divergências, por vezes fez parcerias e rivalizava em popularidade.

Trabalhou em diversas profissões, mas era a rigor um trovador e cantador popular.

4 de dezembro, data de sua morte, foi instituído como Dia Estadual do Poeta Repentista Gaúcho no Rio Grande do Sul, pela Lei Estadual RS 8.819/89, no mesmo dia, em 1985, morria o cantor Teixeirinha.

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