Bertrand Russell
(1872-1970)
Há
50 anos, no dia 3 de fevereiro de 1970, falecia, de gripe, aos 98 anos, o
matemático e filósofo britânico Bertrand Russell*, um dos grandes pensadores do
século XX, agraciado com o Nobel de Literatura em 1950. Dentre as inúmeras
facetas de sua vida pública e intelectual, foi, ao lado de Albert Einstein, um
ativo militante contra as armas nucleares, sendo que, juntos, lançaram um
manifesto pelo desarmamento em 1955.
Entretanto,
o que me leva a evocar brevemente seu enorme legado aqui é a famosa resposta
que dá a uma pergunta durante uma entrevista de TV, vídeo que seguidamente as
pessoas compartilham nas redes sociais da internet. Era o ano de 1959. Russell,
já com 86 anos, concedeu a entrevista ao jornalista John Freeman no programa
Face to Face, na rede de inglesa BBC. Eis a parte final da mesma:
John Freeman:
−
Uma última pergunta. Suponha, Lord Russell, que esse filme seja assistido por
nossos descendentes, como os pergaminhos do Mar Morto, daqui a mil anos. O que
você acha interessante dizer a essa geração sobre a sua vida e as lições que
você aprendeu?
Bertrand Russel:
–
Eu gostaria de dizer duas coisas, uma intelectual e outra moral. O conselho
intelectual que eu gostaria de dar é esse: quando você está estudando um
assunto, ou considerando alguma filosofia, pergunte a si mesmo, somente, quais
são os fatos e qual é a verdade que os fatos revelam. Nunca se deixe divergir
pelo que você gostaria de acreditar ou pelo que você acha que traria benefícios
sociais se fosse acreditado. Olhe apenas e somente para quais são os fatos.
Esse é a recomendação intelectual que eu gostaria de dar.
O
conselho moral que eu gostaria de dar é muito simples. Eu diria: o amor é
sábio; o ódio é tolo. Nesse mundo que está ficando mais interconectado, nós
temos que aprender a tolerar uns aos outros, nós temos que aprender a aceitar o
fato de que algumas pessoas dizem coisas que não gostamos. Nós só podemos viver
juntos dessa forma, se formos viver juntos e não morrer juntos. Nós precisamos
aprender a bondade da caridade e da tolerância, o que é absolutamente vital
para a continuação da vida humana nesse planeta.
*****
Não
é à toa que a resposta repercuta nos dias atuais com tanta força. Há 75 anos do
final da IIª Guerra Mundial, ainda estamos imersos numa cultura do ódio
(principalmente manifesto na internet) e da violência, tanto nas relações em
sociedade quanto entre países. A resposta expressa dois princípios, intelectual
e moral, que se complementam. Primeiro, procurar conhecer as coisas da forma
mais objetiva possível; segundo, praticar a tolerância. Uma coisa leva a outra.
Justamente
ao falar sobre as experiências totalitárias de seu tempo, principalmente da
Alemanha nazista, Hannah Arendt encontrou a gênese do totalitarismo (a forma
mais extrema de autoritarismo) na ausência de reflexão das pessoas que a ela
aderiram. Assim, essa irreflexão levou a um agir irracional, onde a falta de
reconhecimento da condição humana do outro prevaleceu, levando a um limite
extremo de intolerância. Foi a partir dessa noção que ela elaborou o seu famoso
conceito de banalidade do mal, caracterizando um fenômeno totalitário que foi
aceito irreflexivamente e praticado naturalmente por pessoas comuns, nas quais
a presença de uma maldade extrema não era encontrada.
A
resposta de Russell, atualíssima, nos leva a um sentido oposto a intolerância e
a irreflexão. Devemos voltar ao passado, sempre que ele ajude a pensar o
presente.
Texto
publicado na seção de Opinião do jornal Portal de Notícias, versões online e
impressa: http://www.portaldenoticias.com.br
João Adolfo Guerreiro
* Bertrand
Arthur William Russell, 3º Conde Russell (Ravenscroft, País de Gales, 18 de
maio de 1872 − Penrhyndeudraeth, País de Gales, 2 de fevereiro de 1970) foi um
dos mais influentes matemáticos, filósofos e lógicos que viveram no século XX.
Em vários momentos na sua vida, ele se considerou um liberal, um
socialista e um pacifista. Mas, também admitiu que nunca foi nenhuma dessas
coisas em um sentido profundo. Sendo um popularizador da filosofia, Russell foi
respeitado por inúmeras pessoas como uma espécie de profeta da vida racional e
da criatividade. A sua postura em vários temas foi controversa.
Russell
nasceu em 1872, no auge do poderio econômico e político do Reino Unido, e
morreu em 1970, vítima de uma gripe, quando o império se tinha desmoronado e o
seu poder drenado em duas guerras vitoriosas, mas debilitantes. Até à sua
morte, a sua voz deteve sempre autoridade moral, uma vez que ele foi um crítico
influente das armas nucleares e da guerra estadunidense no Vietnã. Era
inquieto.
Recebeu
o Nobel de Literatura de 1950, “em reconhecimento dos seus variados e
significativos escritos, nos quais ele lutou por ideais humanitários e pela
liberdade do pensamento”.
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