O A é uma letra com sótão.
Chove sempre um pouco sobre o à craseado.
O B é I que se apaixonou por um 3.
O b minúsculo é uma letra grávida.
Ao C só lhe resta uma saída.
O Ç cedilha, esse jamais tira a gravata.
O D é um berimbau bíblico.
O e minúsculo é uma
letra esteatopigia. (Esteatopogia, ensino aos mais atrasadinhos, é uma pessoa
que tem certa parte do corpo que fica atrás embaixo, muito feia.)
O E ri-se eternamente das outras letras.
O F com seu chapéu desabado sobre os olhos é um
gangster à espera de oportunidade.
O f minúsculo é um poste antigo.
A pontinha do G é que lhe dá esse ar desdenhoso.
O g minúsculo é uma serpente de faquir.
O H é uma letra dúplex.
A parte de cima é muda. Serve também como escada para as outras letras
conseguirem sentido.
O h minúsculo é um dinossauro.
O I maiúsculo guarda,
em seu porte de letra, um pouco do porte marcial de quando age como algarismo
romano.
O i minúsculo é um bilboquê.
O J com seu gancho de pirata, rouba, às vezes, o
lugar do g.
O j minúsculo é uma foca brincando com sua bolinha.
Vê-se nitidamente que o K é
uma letra inacabada. Por enquanto só tem andaimes. Parece que vão fazer um R.
Junto com o k minúsculo o K maiúsculo
treina passo de ganso.
O L maiúsculo parece um I que extraíram com
a raiz e tudo.
Mas o l minúsculo não consegue disfarçar que é um
número (1) espionando o alfabeto.
O M maiúsculo é um gráfico de uma firma demasiado
instável.
O m minúsculo é uma cadeia de montanhas.
O N é um perneta.
No n minúsculo pode-se jogar golfinho com a
bolinha do o.
O O maiúsculo boceja largamente diante da chatura
das outras letras.
O o minúsculo é um buraquinho no alfabeto.
O P é um d plantando bananeira.
O p minúsculo é um q que vem de volta.
O Q maiúsculo anda sempre com o laço do sapato
solto.
O q minúsculo é um p se olhando ao espelho.
O R ficou assim de tanto praticar halterofilismo.
Sente-se que o S é cifrão fracassado.
O s minúsculo é um cisne tranquilo.
Na balança do T se faz justiça.
O U é uma ferradura da ortografia, protegendo o
galope das ideias.
O u minúsculo é um n com as patinhas pro ar.
O V é uma ponta de lança.
O W são vês siameses.
O X é uma encruzilhada.
O Y é a taça onde bebem as outras letras.
Desapareceu do alfabeto porque se entregou covardemente, de braços pra cima.
O Z é o caminho mais curto, depois da bebida. O z minúsculo
é um esse cubista.
(Emanuel Vão Gogo –
PIF-PAF, maio de 1964)
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