1. *Bater Orelha: diz-se quando,
numa carreira, os cavalos contendores vão correndo juntos ou quase juntos até a
raia ou qualquer ponto da cancha; igualar-se, proceder do mesmo modo duas ou
mais pessoas.
2. Ser igual a outro, da mesma força.
3. Ter destino igual ao de outro.
Nasceu o potrilho, lindo e gordo, filho de égua boa leiteira, crioula
de campo de lei.
O guri era mimoso, dormindo em cama limpa e comendo em mesa farta.
Já de sobreano fizeram uma recolhida grande, sentaram-lhe uns pealos,
apertaram-no pelas orelhas e pela cola e a marca em brasa chiou-lhe na picanha.
Andaria nos oito anos quando meteram-lhe nas mãos a cartilha das letras
e o mestre-régio começou a indicar-lhe as unhas, de palmatoadas.
O potrilho couceou, na marca. O menino meteu fios de cabelo nos olhos
da santa-luzia...
Em potranco acompanhava a manada e retouçava com as potrancas, sem mal
nenhum.
O rapazinho rezava o terço e brincava de esconder com as meninas... o
que custou-lhe uma sapeca de vara de marmeleiro.
Quando o potrilho foi-se enfeitando para repontar, o pastor velho
meteu-lhe os cascos e mais, a dente, botou-o campo fora: fosse rufiar lá
longe!...
O gurizote, já taludo, quis passar-se de mais com uma prima...; o tio
deu-lhe um chá-de-casca-de-vaca, que saiu cinza e fedeu a rato!...
O potro andava corrido, farejando... Mas nem uma petiça arrastadeira
d'água e poronguda, achou, para consolo da vida. Té que o caparam.
O mocito, que era pimpão, foi mandado incorporar. Sentaram-lhe a farda
no lombo.
Mal sarou da ferida o potro foi pegado: corcoveou, berrou;
quebraram-lhe a boca a tirões, dividiram-lhe a barriga com a cincha; quis
planchar-se, e lanharam-lhe as virilhas a rebenque e as paletas a roseta de
espora. Tiraram-lhe as cócegas... Ficou redomão.
O recruta marcou passo, horas, pra aprender; entrou na forma; aguentou
descomposturas; deu umas bofetadas num cabo e gruniu solitária e guarda
dobrada, por quinze dias. Cortaram-lhe os cabelos à escovinha e ficou apontado.
Era o faxineiro do esquadrão.
Houve uns apuros de precisão... O rocim foi vendido em lote, para o
regimento.
Tocou a reunir: era uma ordem de marcha, urgente. O faxineiro recebeu
lança, espadão e tercerola.
Quando a cavalhada chegou o primeiro serviço dos sargentos foi assinalar
os novos; era simples e ligeiro: um talho de faca na orelha, rachando-a. Bagual
assim, virava reiúno.
Quando tocou o bota-sela, o faxineiro estava na porteira, de buçal na
mão, esperando a vez. O laçador laçava, chamava a praça e esta enfrenava... e
cada um roia o osso que lhe tocava.
‒ Chê! Enfrena!...
Foi o reiúno que caiu pro recruta.
Foi o reiúno que caiu pro recruta.
Aí se juntaram os dois parecidos, o bicho e o homem. E a sorte levou os
dois, de parceria, pelo tempo adiante. Curtiram fome, juntos, cada um, do seu
comer, E sede. E frio. E cansaço, mataduras e manqueiras; cheiros de pólvora e
respingos de sangue, barulho de músicas, tronar grosso e pipoquear, nas
guerrilhas.
E de saúde, assim, assim... Um teve sarnagem, o outro apanhou
muquiranas; se um batia a mutuca, o outro caçava as pulgas.
Quando, no verão, o reiúno pelechava, também o faxineiro deixava de
sofrer dores de dentes.
Passados anos o mancarrão já nem engordava mais, e todo ovado estava. O
fiscal do regimento, sem uma palavra de ‒ Deus te pague ‒ mandou vendê-lo em
leilão, como um cisco da estrebaria. Um carroceiro comprou-o, por patacão e
meio, com as ferraduras.
Passados anos o praça aquele teve baixa, por incapaz, com o bofe em
petição de miséria; e saiu da fileira sem mais família e sem saber oficio. Saiu
com cinco patacas, de resto do soldo, e sem o capote. Foi então ser carregador
de esquina.
O reiúno apanhava do carroceiro, como boi ladrão!
Ocarregador levava dos fregueses descompostura, de criar bicho!
Oreiúno deu em empacar.
Ocarregador pegou a traguear.
O carroceiro um dia, furioso, meteu o cabo do relho entre as orelhas do
empacador e... matou-o.
A policia uma noite prendeu o borrachão, que resistiu, entonado;
apanhou estouros... e foi para o hospital, golfando sangue; e esticou o
molambo.
O engraçado é que há gente que se julga muito superior aos reiúnos; e
sabe lá quanto reiúno inveja a sorte da gente...
(Do livro “Contos
Gauchescos”,
de J. Simões Lopes Neto)
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