sábado, 22 de fevereiro de 2020

Causos gaúchos


Saudades do Rio Grande


Diz que, tendo vindo o gaúcho passear no Paraná, foi convidado para tomar mate na casa do paranaense. Este, por sua vez, mais louco para pregar-lhe uma peça, esquentou a água até avermelhar o fundo da cambona. Na hora de servir, desceu a água pela bomba, para que esta ficasse ainda mais quente. Passou a cuia para o visitante, que, imediatamente, deu-lhe uma sorvida com muita vontade. O gole desceu queimando desde o beiço até a alma do gaúcho, que, para não perder a compostura, engoliu quieto apertando os olhos, donde escorriam lágrimas de dor. O paranaense, então, perguntou-lhe:
- O que foi, gaúcho? Por que choras?
E este, com a incrível cara-de-pau que lhe foi legada por Deus, respondeu em forte tom de recordação:
- Saudades do meu Rio Grande, tchê!

Cortando cabelo

Diz que, um belo dia, um índio bem alegre, chegou numa barbearia juntamente com um menino, os dois para cortarem o cabelo. O barbeiro, gente mui buena, fez um belo corte no índio, que já aproveitô pra aparar a barba, enfim deu um trato geral. Depois de pronto o índio, chegou a vez do guri. Nisso o índio disse pro barbeiro:
- Tchê, enquanto tu cortas as melena do guri, vou dar um pulo até o bolicho da esquina comprar um cigarrito e já tô de volta.
- Tá bueno! − disse o barbeiro.
Só que o barbeiro terminou de cortar o cabelo do guri e o índio não aparecia.
- Senta aí e espera que teu pai já vem te buscar.
- Ele não é meu pai! − disse o piá.
- Teu irmão, teu tio, seja lá o que for, senta aí.
- Ele não é nada meu! − falou o guri.
Ai o barbeiro perguntou intrigado:
- Mas quem é o animal, então?
- Não sei! Ele me pegou ali na esquina e perguntou se eu queria cortar o cabelo de graça!

O otimista e o pessimista

Era uma vez dois irmãos, gaúchos de nascimento. Um era pessimista; o outro, otimista.
Certa vez, no Natal, ao abrirem seus presentes, os meninos encontraram o seguinte: O pessimista tinha ganhado uma bicicleta linda, de dez marchas, moderna e sofisticada. O otimista, ao abrir a linda caixa que recebera, deparou-se com um monte de fezes de cavalo. Disse então o pessimista:
- Viu? Ninguém gosta de mim. Agora, com certeza, mais cedo ou mais tarde, eu vou cair e quebrar a cabeça com essa bicicleta que corre tanto...
Enquanto isso, o otimista já saíra correndo para a rua, disparado, gritando:
- Cadê meu cavalinho? Cadê meu cavalinho que ganhei de Natal?

O homem que apostava

Luiz Coronel

Que era homem educado, lá isso era. Também cria dos Tavares, só podia sair de tratos maneirosos. Acontece, porém, que, aos verdes campos, preferiu as verdes mesas de carteados. Outro vício não tinha, afora apostar até a mãe, se apostador houvesse.
- Aposto que o Dr. Naziazeno vai discursar no enterro.
- Aposto que o Dr. Fico ganha essa eleição.
Tudo era aposta.
A noite já era crescida em horas e o Tavares aquecia o banco num joguinho sofrido, nos altos do Comercial, quando o Dr. Marcírio testaviou na mesa. Caiu duro e fulminado, e que Deus o tenha em sua glória.
- Quem de nós leva a noticia lastimosa para Dona Cristina Magalhães, esposa do parceiro ora falecido?
Outra não foi a sábia escolha. O Tavares.
Lá se foi ele, circunspecto, pela madrugada fria.
A mãozinha de ferro da porta começou delicada para retumbante, até que se abriu a porta com a senhora mal desperta, arrumando o cabelo sob o lenço de seda.
- Boa noite ou bom dia, senhora. Desculpe o adiantado da hora. Sou o Belico Tavares e, por certo, a senhora deve ser a viúva do Dr. Marcírio Magalhães, não?
Aflita, a senhora contestou pela metade a madrugadeira pergunta:
- Sou Cristina Magalhães, viúva não!
- Quer apostar?

Gaúcho vai à praia

Um gaúcho da campanha fazia uns trinta anos que não saia da estância; foi quando o patrão dele resolveu dar umas férias e como prêmio quis levar ele para a praia e disse:
- Seu Pedro, vou levar o senhor para a praia comigo nesse verão.
- Bah, Doutor, o senhor sabe que eu não sou muito dessas coisas!
- Não te preocupa, tchê, tu vai comigo qualquer coisa eu te trago de volta.
- Bom, então eu vou com o senhor.
Chegando na praia, o gaúcho, vendo aquele monte de mulher quase pelada tomando banho de sol, ficou apavorado. Passado o susto, ficou admirado com o mar e resolveu entrar na água, deu uma arremangada nas bombachas e entrou, brincando feito piá.
Só que quando ele saiu a bombacha colou no corpo e todo mundo ficou espantando com o tamanho do pertences dele que fazia um volume mais ou menos perto do joelho, daí ele deu uma olhada para todo mundo e disse:
- O que é que tá todo mundo me olhando?
Vão dizê que quando vocês entram na água, o de vocês não murcha também?

Filosofia Conjugal

Casado há muitos anos e famoso pelo bom relacionamento matrimonial, certo gaúcho da região da Campanha, explicava, numa roda de chimarrão, seu procedimento:
- Muito simples, diz ele. Quando começo achar a minha mulher com cara de vaca, vou para a fazenda e fico por lá. E, quando começo a achar as vacas com cara de mulher, volto correndo para casa.



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