terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Histórias de Paraquedistas XXXIV

Célia Maria Leite Costa

Dois golpes que os paraquedistas militares legalistas detiveram

A Revolta de Jacareacanga (PA)

(11.02.1956 a 29.02.1956)

(19 dias)


Entre outubro de 1955 e janeiro de 1956, os militares antigetulistas, ligados à UDN e liderados pelos ministros Eduardo Gomes, da Aeronáutica, e Amorim do Vale, da Marinha, sofreram sérias derrotas. A primeira foi quando viram Juscelino Kubitschek e João Goulart, apoiados pela aliança PSD-PTB, serem eleitos presidente e vice-presidente da República em 3 de outubro de 1955. A segunda, quando o Movimento de 11 de Novembro, liderado pelo ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, depôs o presidente em exercício Carlos Luz, substituiu Eduardo Gomes por Vasco Alves Seco, Amorim do Vale por Antônio Alves Câmara, e garantiu as condições necessárias à posse dos eleitos. A terceira, quando os eleitos efetivamente foram empossados, em 31 de janeiro de 1956.


Poucos dias após a posse do novo governo, na noite de 10 de fevereiro de 1956, oficiais da Aeronáutica insatisfeitos, liderados pelo major Haroldo Veloso e pelo capitão José Chaves Lameirão, partiram do Campo de Afonsos, no Rio de Janeiro, instalaram-se na base aérea de Jacareacanga, no sul do Pará, e ali organizaram o seu quartel-general. Esses militares temiam uma represália do grupo militar vitorioso no dia 11 de Novembro e, por essa razão, não concordavam com a permanência, no governo JK, do ministro Vasco Alves Seco na pasta da Aeronáutica.

Dez dias depois do início da rebelião, os rebeldes já controlavam as localidades de Cachimbo, Belterra, Itaituba e Aragarças, além da cidade de Santarém, contando inclusive com o apoio das populações locais. Haviam recebido também a adesão de mais um oficial da Aeronáutica, o major Paulo Victor da Silva, que fora enviado de Belém para combatê-los.

Apesar de ter sido uma rebelião de pequena monta, o governo encontrou dificuldades para reprimi-la devido à reação de oficiais, sobretudo da Aeronáutica, que se recusavam a participar da repressão aos rebelados. Após 19 dias a rebelião, foi afinal controlada pelas tropas legalistas, com a prisão de seu principal líder, o major Haroldo Veloso. Os outros líderes conseguiram escapar e se asilar na Bolívia. Todos os rebelados foram beneficiados pela “anistia ampla e irrestrita”, concedida logo depois pelo Congresso, por solicitação do próprio presidente JK.

A Revolta de Aragarças (GO)

(36 horas)

Apesar da anistia concedida por JK aos militares envolvidos na Revolta de Jacareacanga em fevereiro de 1956, o clima de insatisfação e de conspiração contra o governo continuou, sobretudo na Aeronáutica.

A Revolta de Aragarças, que eclodiu em 2 de dezembro de 1959, começou a ser articulada em 1957. A nova conspiração teve a participação do ex-líder de Jacareacanga, tenente-coronel aviador Haroldo Veloso, e de dezenas de outros militares e civis, entre os quais o tenente-coronel João Paulo Moreira Burnier, que foi o seu principal líder. O objetivo era iniciar um “movimento revolucionário” para afastar do poder o grupo que o controlava, cujos elementos seriam, segundo os líderes da conspiração, corruptos e comprometidos com o comunismo internacional.

Partindo do Rio de Janeiro, com três aviões Douglas C-47 e um avião comercial da Panair sequestrado, e de Belo Horizonte, com um Beechcraft particular, os rebeldes rumaram para Aragarças, em Goiás. Pretendiam bombardear os palácios Laranjeiras e do Catete, no Rio, e ocupar também as bases de Santarém e Jacareacanga, no Pará, entre outras. Na realidade, nem o bombardeio aos palácios, nem a ocupação das bases chegaram a ocorrer, e a rebelião ficou restrita a Aragarças. A revolta durou apenas 36 horas. Seus líderes fugiram nos aviões para o Paraguai, Bolívia e Argentina, e só retornaram ao Brasil anistiados no governo Jânio Quadros.


Foto do avião sequestrado


Revoltosos presos por tropa de paraquedistas legalistas*

*Rendição de presos em Aragarças. Foto histórica de Campanella Neto, que deu ao fotógrafo o Prêmio Esso de fotografia, em 1960.

A história foto acima

Sequestrado com outros passageiros e a tripulação de um Constellation da Panair pelo major revoltoso Eber Teixeira Pinto, Campanella desceu em um campo de pouso da FAB em Aragarças, no interior de Goiás, QG dos revoltosos. O grupo, entre ele o senador Remi Archer, foi confinado em um hotel fazenda perto do campo, sempre vigiado por sentinelas.

“Campanella conseguiu driblar a vigilância dos soldados e enviar três telegramas de uma cidade vizinha, para seu editor-chefe, Joel Silveira, para o presidente do Senado e para o marechal Lott, então ministro da Guerra – no avião também viajava o corpo embalsamado de um tenente da Aeronáutica, sobrinho de Lott, acompanhado da viúva.”

A notícia chegou aos revoltosos pelo Repórter Esso: “Heron Domingues entra com seu vozeirão para anunciar a primeira notícia do dia: ‘Telegramas enviados pelo jornalista Campanella Neto denunciaram que Aragarças é o esconderijo dos revoltosos...”. Campanella “não conversou... olhou pro lado e saiu de fininho, e, depois, correu para o mato para se esconder. De lá, foi vendo um a um dos aviões decolando rumo ao exílio, um deles levando como reféns os políticos”.

Segundo o Paparazzi, para Campanella, “a importância da leitura diária dos jornais foi a ferramenta do furo jornalístico”. Em reconhecimento, ganhou, pelo conjunto de sua obra sobre Aragarças, o Prêmio Esso de Fotografia hors concours de 1959.

Fica evidente a intenção do jornalista de interferir nos acontecimentos (enquanto registrava), evidenciando o valor histórico dessa intermediação: “Depois da fuga dos revoltosos, após a notícia no Repórter Esso, o céu amanheceu coalhado de aviões e paraquedistas das tropas do governo. Campanella começou a fotografar rápido e quase ficou sem o filme de novo, mas, quando disse quem era, foi tratado como herói nacional. Em uma operação de guerra, camuflaram galões ao longo da pista de pouso esperando algum desavisado. E ele apareceu. Era o C-47 que tinha levado o corpo do oficial e voltava carregado de armamento.”

É o ápice da história, um final digno de filme de aventuras: “Campanella estava ao lado do comandante na pista quando o piloto recebeu voz de prisão. ‘Ele começou a atirar, deu um cavalo-de-pau, tentou arremeter de novo, bateu nos galões atirados para impedir a fuga e o avião começou a pegar fogo e a explodir munição. Era o Vietnã!’, conta ainda com os olhos brilhando Campanella.”

Finalmente, “fez a reportagem exclusiva da prisão dos revoltosos e pousou em Brasília para entrevistas. Desta vez do outro lado: ele era o personagem principal da história.”

Campanella Neto, mineiro de Pouso Alegre, após o golpe de 64, associaram-se ao Jornal do Brasil, como Studio JB. A partir de 1967 (por mais 20 anos) assumiu o sub-editoria do JB. Aposentado aos 55 anos, continuou como free-lancer para diversas instituições até parar. Faleceu em 2004.

Obs.: O local onde estava os revoltosos era impossível a qualquer tropa comum chegar lá; a não ser, é claro, que chegassem de avião e lá saltassem, como fizeram os paraquedistas do Exército.
  


Paraquedista atacando...


Sequestrado pelos oficiais rebelados,
o avião C-47 da FAB foi incendiado próximo ao campo de pouso,
em Aragarças.


Tropas de paraquedistas voltam de Aragarças,
depois de debelar a revolta e prender oficiais da FAB sublevados.




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