terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Mestre Nascimento Grande

José Nascimento da Silva

Pernambuco 1842 – 1936


O Lendário Nascimento Grande de capa e bengala

Nascimento Grande nasceu em 1842 e dançou, em 1936. Reputado como o maior capoeirista de Pernambuco de todos os tempos, O Capoeira, como era conhecido, foi manchete nos principais jornais do Recife. Negro, dois metros de altura, longo bigode, gentil, educadíssimo, olhar de Bruce Lee, maneiro, veloz, incompatível com a sua estatura física e peso – 120 quilos. A imprensa da época depois de reunir todos os prós e contra do Capoeira, concedeu-lhe o título de Herói Popular, baseado no fato dele só ter lutado durante toda a sua vida única e exclusivamente para se defender.

Nascimento enfrentava um pelotão de polícia, brigava, usava as pernas, saltava de banda, quebrava telhados, escalava muros, quando era depois, procurava o soldado mais fraco da corporação e se entregava. Exemplo de honestidade, integridade, valentia e nobreza de sentimento.

Nascimento Grande ganhou a simpatia de todas as classes sociais, além do meio cultural e literário, não só do Recife, mas de outros Estados: Gilberto Freyre, José Lins do Rego, Ah, bom! Câmara Cascudo, José Mariano, pai do poeta Olegário, Gilberto Amado.

Eles não só tinham estima pelo Capoeira, como conheceram-no pessoalmente. Gilberto Freyre chegou a reclamar do governo uma homenagem ao saber do falecimento de Nascimento Grande, aos 94 anos de idade, em Jacarepaguá, Estado do Rio de Janeiro, em 1936.

Esse operário do Porto do Recife, na função de estivador, era também conhecido como portador de uma força descomunal. Poderia ser o João Valentão da música de Dorival Caymmi. Claro, ele tinha seus momentos. Costumava parar em uma Igreja para uma oração. Consultava Pai de Santo, e costumava dizer para os amigos:

− Siga ligeiro pra casa/ Vá procurar “Pai João” / Vá fazer o que lhe digo / Mas também não tema não / Compre maconha e jurema / Faça uma defumação.

A fama de Nascimento Grande despertou curiosidade entre os valentões mais famosos do Brasil. Sua coroa era cobiçada por ninguém menos que: – Pirajé (Pará); Manuezinho Camisa Preta (R.J); Pajeú (Sertão pernambucano); e João Sabe Tudo. Esse era nó cego, e vivia a desafiar o Capoeira, convocando-o para briga com local e hora marcada. O pior é que eram amigos, promoviam festas juntos no Hotel Sobrado Grande, localizado na Rua Camboa do Carmo, bairro de Santo Antônio, Recife.

A maior e mais violenta briga dos dois, foi marcada com antecedência em frente à Igreja do Carmo. Cacete comeu até certas horas. Já parecendo dois galos de brigas, ao terminar a luta, Nascimento Grande colocou o seu parceiro nas costas e o levou para o hospital banhado de sangue.

Conta José Mariano (Jornal do Commercio – Recife, 20/02/36), que aos 93 o Capoeira foi até a feira livre de Paraguaçu, e lá comprou um abacaxi a um Português dono de barraca. Verificando a idade muito avançada do Capoeira, o Portuga colocou um abacaxi com um pedaço podre, enrolou e entregou-lhe na mão. Em casa, quando Nascimento verificou a sacanagem, voltou com a “inflorescência” na mão e foi reclamar do Portuga, que não lhe deu a devida atenção. Desafiou o velho. A mancada foi do Portuga, né véi? Nascimento foi na goela dele, do jeito que os capoeiristas do Recife da época faziam com os “marinheiros”. O Portuga só não morreu porque ficou respirando pelo bigode.

O poeta popular também se pronunciou em verso Sete Linhas sobre o Capoeira, como foi o caso de João Martins de Ataíde, segundo Câmara Cascudo:

Nascimento ficou velho
Seu cabelo embranqueceu,
Mas no seu rosto enrugado,
Um homem nunca bateu.
Sendo, assim, tão iracundo,
Com honras viveu no mundo,
Honrado também morreu.

“Hércules é um mito, Nascimento Grande existiu de verdade. Suas façanhas estão narradas nos jornais do Recife”.

Ofereço esta matéria ao autor da frase supra – Bernardo Alves, pesquisador autodidata, sério, honrado, competente zeloso e incisivo, de saudosa memória.

(Do blog Projeto Educando Com Ginga)


Recife Sangrento

Ary Lobo

Eu vou falar é do Recife sangrento,
a verdade é sagrada e não se esconde.

Valente entre os mais valentes,
Foi o Nascimento Grande. (bis)

Cada rua em Recife tinha um brabo,
Cada bairro existia um valentão,
A coragem era a Lei da Razão,
Testemunho de tal civilidade.
A peixeira era a identidade,
Documento de todo cidadão,
A verdade é sagrada e não se esconde.

Valente entre os mais valentes,
Foi o Nascimento Grande. (bis)

Zé Lero-Lero, que dopou pião dolero
Compadre do jongondrongo.
Lembra a Zefa do Biombo,
Que brigava de punhal,
Corre hoje de preá e nunca aceitou conselho.
Também Juvino dos coelhos,
Que morreu no seu ramal,
A verdade é sagrada e não se esconde.

A descrição que Luís da Câmara Cascudo, o mestre Cascudo faz de Nascimento Grande é fenomenal:

“De alta estatura, corpulento, chegando aos 130 quilos, morenão, bigodes longos, muito cortês e maneiroso, usava invariável chapelão desabado, capa de borracha dobrada no braço e a célebre bengala de quinze quilos, manejada como se pesasse quinze gramas e que ele chamava a volta. Uma bengalada derribava um homem, duas desacordavam e três matavam.”

Mas quem foi essa figura extraordinária? Chamava-se José Antônio do Nascimento e era o mais afamado valente do Recife na entrada do século XX. Trabalhava na estiva e, segundo relatos, carregava cargas absolutamente insanas, daquelas de enrubescer os maiores fortões. Era um Hércules, o Nascimento Grande.

Nunca provocou uma porrada. De conduta ilibada e honestidade comovente, só saía no cacete em legítima defesa. Como era uma fortaleza, costumava ser desafiado por malandros de todos os tipos e Mestres de capoeira, que sabiam da fama reservada a alguém que conseguisse meter-lhe a porrada. Nunca aconteceu. Alguns diziam que ele tinha o corpo fechado, pois foi atacado por diversas vezes por disparos de arma de fogo a queima roupa e nunca foi ferido. Tudo graças a um amuleto com um “Santo Lenço” que ele carregava.

Existem inúmeras histórias desse gigante, como esse ataque que sofreu, em Vitória de Santo Antão, de um cabra chamado Corre-Hoje. Antonio Padroeiro (seu nome verdadeiro) atacou Nascimento Grande auxiliado por sete comparsas. Nascimento Grande bateu nos sete e matou o Corre-Hoje. Diante do pânico dos que assistiam à cena, que incluiu os inevitáveis desmaios das mulheres, Nascimento Grande colocou o corpo do meliante em um banco, acendeu velas votivas e velou, rezando contrito, a alma do morto até a chegada da polícia. Exigiu que Corre-Hoje tivesse um velório cristão.

Era o defensor das putas do Recife Velho. Mandava dizer que quem maltratasse as moças se veria com ele e com sua inclemente bengala. Não havia cafetão ou cliente que se metesse a engraçado com as quengas quando o Grande estava na zona. Constantemente se apaixonava pelas meninas e afirmava que o amor de uma puta era o mais sincero dos sentimentos. Repetia sempre uma máxima: “sortudo é o homem pelo qual uma puta se apaixona. Maldito é o que tem os amores de uma virtuosa.”

Em certa feita foi provocado por um valente do bairro de São José chamado Pajéu, metido a capoeirista e dado a bater em mulher – coisa que causava asco no nosso personagem. Pois o tal do Pajéu apanhou mais que boi ladrão. Um dia, Pajéu atacou Nascimento Grande com uma “peixeira” e foi desarmado por Nascimento Grande que obrigou o cabra a colocar uma saia de mulher e desfilar pelas ruas do Recife Velho. As putas, que amavam nosso personagem e execravam o tal de Pajéu, aplaudiram em delírio a desmoralização do bocó.

Foi ele quem matou, em viagem ao Rio de Janeiro, o legendário capoeirista Camisa Preta*, que o desafiara para um combate de morte. Essa batalha transformou o Largo da Carioca na península do Peloponeso.

*Cremos que esse confronto nunca existiu. Leia, Neste Almanaque, Uma luta entre facínoras, sobre a morte de “Camisa Preta.

Mas a maior luta de Nascimento Grande foi contra João Sabe Tudo, que era seu mais feroz adversário e um dos valentões mais temidos de Recife. Os dois evitam se encontrar, só que em um Domingo de manhã se esbarraram perto da ponte do Largo da Paz, não houve tempo pra discussões e a briga começou. João Sabe Tudo de “peixeira” na mão e Nascimento Grande com a bengala. Golpes zuniam no ar. Foi se formando a multidão, com grupos de curiosos que aplaudiam ora um ora outro combatente. A Cada rasteira, negaça os aplausos choviam. E os dois valentões avançavam um contra o outro, ou recuavam estrategicamente, ambos ligeiros e valentes. Mas as horas do dia foram passando e a batalha continuava, cada vez mais violenta, sem vencido sem vencedor. E os dois lutadores, em fugas, avanços e negaças, foram descendo a Rua Imperial. A multidão acompanhando. Atingiram a Praça Sérgio Loreto. Avançaram mais e de repente chegaram a Matriz de São José. E entraram na Igreja, e a multidão barulhenta atrás deles. É quando aparece o Vigário da Matriz, indignado. Grita para os dois valentões. Ambos feridos e extenuados e os obrigam a parar. Faz mais ainda, intima que respeitem a casa de Deus e exige que apertem as mãos. Os dois inimigos, embora desconcertados, obedecem. Foi essa a última luta de Nascimento Grande e João Sabe Tudo, os maiores valentões do Recife Antigo.

Com o coração do tamanho do Capibaribe, Nascimento Grande fez grandes amigos por onde andou. Honestíssimo − mesmo os inimigos reconheciam isso −, chorava feito manteiga derretida com as coisas mais corriqueiras da vida. Morreu, com mais de cem anos, no Rio de Janeiro, onde passou parte da velhice...


3 comentários:

  1. Hoje sou um capoeirista amo Recife nascido e criado aqui muito bom da continuidade a essa luta brasileira e originalmente pernanbucana

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