terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Uma luta entre facínoras

O já célebre cabo Elpídio mata “Camisa Preta”, traiçoeiramente.


Os precedentes do fato

O caso sensacional do dia é o assassinato do “Camisa Preta” ocorrido nesta madrugada na rua Visconde do Rio Branco, esquina com rua do Núncio, especialmente pelas graves circunstâncias em que está sendo apurado esse crime.

Foi naquela esquina que o cabo de policia Elpídio Ribeiro da Rocha, ordenança de palácio, assassinou o célebre facínora Alfredo Francisco Soares, o conhecido e temido “Camisa Preta”.

Os dois andavam para se encontrar e eliminar um ou outro.

Todos os jornais deixam transparecer que o policial agiu em legitima defesa, eliminando o seu adversário do número dos vivos.

Tal, porém, não se deu como vão ver os leitores.

Trata-se no caso de uma luta entre dois facínoras, ambos perigosos.

Se a sociedade ficou livre de um, a justiça deve punir o outro, pois que é tão perigoso ou pior do que o primeiro.

As nossas notas são em tudo diferente das dos nossos colegas e por isso tratemos dos precedentes dos dois facínoras.

“Camisa Preta” e os seus feitos − a sua vida de desordeiro

Alfredo Francisco Soares, o “Camisa Preta” era o mais temido e corajoso dos capangas eleitorais.

A sua vida de desordeiro se acentuou, o seu nome se firmou depois dos últimos crimes políticos.

Alfredo já tina 8 entradas na Casa de Detenção por desordem, assassinato e tentativa de assassinato.

Os outros desordeiros viram que tinham um terrível adversário, um homem que não temia a morte.

Resolveram, por isso, eliminá-lo do mundo dos vivos.

Formaram um grupo e resolveram atacar “Camisa Preta”.

Ele estava num hotel do largo do Rocio quando foi atacado.

Mais de vinte tiros ecoaram.

Quando a última cápsula dos revólveres dos atacantes foi deflagrada, “Camisa Preta”, que todos julgavam estar morto, pôs a mão na mesa e disse:

− Agora deixa acabar a fumaça para eu entrar com o meu jogo.

Excusado é dizer que o bando atacante ouvindo isso não esperou pela revanche: fugiu.

O nome de “Camisa Preta” era respeitado e mais temível se tornou.

Depois desses fatos ele ainda teve mais duas entradas na Detenção, por desordem e ferimentos leves.

Na eleição do Conselho Municipal, que foi dissolvido pelo marechal Hermes, “Camisa Preta” matou um guarda-noturno que tentou arrebatar a uma urna da seção da Biblioteca Nacional.

Foi a júri e este com a benevolência indesculpável, o absolveu.

Camisa Preta”, dois depois de ter sido absolvido, fez uma formidável desordem na rua Barão de São Félix.

Mais de 20 praças de polícia tiveram que lutar com ele. Houve um cerrado tiroteio, saindo feridos quatro soldados, e “Camisa Preta”, que foi removido para a Detenção em gravíssimo estado.

Foi a novo júri e mais uma vez foi absolvido.

Escapou da morte e da prisão.

Quando foi solto continuou na sua vida de aventuras perigosas.

Fazia, então, ponto na Lapa e proximidades, extorquindo dinheiro a negociantes diversos.

Tinha uma grande, uma grandíssima raiva da polícia e andava sempre em luta com ela.

Nunca recebia voz de prisão que não reagisse e não travasse luta.

A última vez que foi ferido na perna foi o largo da Lapa.

Um guarda civil feriu-o com um tiro.

Camisa Preta” ficou bom e continuou a frequentar botequins “cabarets”, da Lapa.

(...)

A luta – A morte do célebre “Camisa Preta”

Camisa Preta” estava hoje pouco ante da 1 hora da madrugada, na rua Visconde de Rio Branco próximo da esquina da rua do Núncio.

Conversava com o negociante Antônio Júlio Xavier quando da rua do Núncio chegaram o cabo Elpídio e o preto Manoel Tibúrcio Garcia.

O cabo ao avistar o adversário, disse:

− Um de nós de nós tem de morrer hoje.

Travaram discussão.

O negociante interveio e quis apaziguá-los.

Camisa Preta” encostado à parede com as mãos nos bolsos, provavelmente segurando o revólver.

O negociante conseguiu evitar a luta, mas o cabo Elpídio disse-lhe:

− Eu só não atirarei no ‘Camisa’ se ele tirar as mãos do bolso.

Camisa” para evitar a luta, tirou as mãos dos bolsos e ergueu dizendo:

− Não quero brigar.

O outro facínora, o cabo Elpídio, aproveitou a ocasião e puxando do revólver deu-lhe um tiro no occipital.

Camisa” caiu para nunca mais se erguer.

O cabo bandido, temendo que ela ainda se levantasse, detonou mais cinco tiros contra ele ferindo-o mais uma vez na cabeça, um na mão esquerda, um no ombro e um no ventre.

Nessa ocasião chegaram os policiais que efetuaram a prisão do cabo facínora e seu companheiro, o preto Manoel Tibúrcio Garcia.

O cabo, protegido, querendo se livra da prisão, passou o revólver para o seu companheiro.

A polícia, mais uma vez, está protegendo o facínora policial e todo o processo está sendo feito de modo a facilitar a sua defesa. A boas mãos está entregue a nossa segurança.

No necrotério − A aglomeração − As prisões

Aconteceu hoje no necrotério o que sempre acontece em casos como o que narramos.

A aglomeração foi enorme desde as primeiras horas da manhã. Ninguém podia entrar no necrotério, tal era a aglomeração de gente.

Desordeiros, facínoras, mulheres da vida, curiosos, todos queriam ver o facínora que maior nome teve no Rio de Janeiro.

A polícia aproveitou a ocasião para fazer uma boa caçada e encheu o xadrez de indivíduos perigosos que iam ver o companheiro morto.

Camisa Preta” foi autopsiado às 10 e meia horas da manhã pelo doutor Rodrigues Caó que verificou que qualquer um dos tiros que ele recebeu ser bastante para matá-lo, com exceção do da mão esquerda.

Camisa Preta” tinha uma tatuagem na mão esquerda e peito escrita a palavra Adelaide e as iniciais J. A. G., e no braço direito uma sereia pintada.

(Do jornal A Noite, 12 de julho de 1912)


Rixa

Considerando as informações do Jornal Gazeta de Notícias, a rixa entre o cabo Elpídio e Miguel * começara um ano antes, quando Elpídio matara outro malandro, um conhecido como Leão do Norte, que seria muito amigo de Camisa Preta, que jurou vingança pela morte.

Assim, não muito antes da morte de Miguel (Alfredo), tanto este como o Cabo já haviam se encontrado antes de forma violenta. Do encontro, os dois foram parar numa delegacia. Miguel fora baleado na perna e passou um ano ‘sumido’.

Tempos depois, o cabo Elpídio morria num incêndio após salvar uma criança das chamas.

(Do blog Umbanda Sagrada Brasileira)

*Nome errado de Alfredo, no blog da Umbanda Sagrada Brasileira.

História da lapa,

de Jorge de Castro e Wilson Batista

Lapa dos capoeiras,
Miguelzinho, Camisa Preta,
Meia-Noite e Edgar.
Lapa, minha Lapa Boêmia,
A lua só vai pra casa
Depois do sol raiar.

Falta uma torre na igreja,
Vou lhe contar, meu irmão,
Foi na briga de Floriano,
Foi um tiro de canhão.
E nesse dia a Lapa vadia
Teve sua glória
Deixou o nome na história.

Miguel* Camisa Preta é um malandro muito fino que gosta de ser tratado com coisas de boa qualidade. Suas véstias são camisa de linho preta e calça de linho branca. Usa também chapéu de panamá, de cor crua de panamá e de faixa na cor preta, em homenagem ao seu time de futebol, o Vasco da Gama; às vezes, bengala. Fuma cigarro Hollywood de filtro amarelo e bebe cerveja Brahma; esteja quente ou gelada, tem que ser Brahma.

Segue aqui uma oração principalmente às pessoas que andam na noite, que passam por lugares perigosos e também aquelas que querem se livrar de algum vício ou inimigo que te façam ou queiram te fazer mal.
  
Oração ao Camisa Preta

Miguel* Camisa Preta, boêmio das noites de seresta,
Anda comigo nessa noite, em todas as outras e também nos dias,
Pois, por onde passo,
Pode ser que haja alguém que queira algo que eu tenho,
E tudo o que tenho consegui com meu esforço.

Peço perdão se não sou tão bom ainda quanto deveria ser.
Mas, em sua companhia, espero melhorar a minha vida.
Diga a ogum, seu mestre, que abra os meus caminhos.
Que através de você eu possa me libertar de qualquer vício.
Que eu seja malandro sim,
Para me esquivar de assaltos, de balas perdidas
E que, por mais que às vezes seja necessário passar por um lugar,
Que você me desvie do mesmo se neste houver perigo.
Que você esteja sempre ligado á mim como meu guia!
Camisa Preta amigo, me guia, me auxilia!
Amém!

*Miguel (Miguelzinho) era um; Camisa Preta era outro malandro da Lapa.

Camisa Preta era o apelido de Alfredo Francisco Soares, que não tinha a ver com o Miguel (Miguelzinho).

O que causou a confusão foi a música de Wilson Batista cantada pelo Nelson Gonçalves que diz:

Lapa dos capoeiras,
Miguelzinho, Camisa Preta,
Meia-Noite e Edgar.

1) Miguelzinho, (vírgula) 2) Camisa Preta, (vírgula) 3) Meia-Noite e 4) Edgar: quatro malandros da antiga Lapa, do Rio de janeiro. O nome de “Camisa preta” era Alfredo Francisco Soares, e não Miguel dos cultos umbandistas. A vírgula colocada depois do nome Miguelzinho passou despercebida por  muita gente. Dando a impressão que Miguelzinho Camisa Preta fosse uma só pessoa.

5 comentários:

  1. Interessantíssima essa história, que eu já conhecia por narrativas familiares: meu bisavô presenciou as correrias provocadas por Camisa Preta no centro do Rio.

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    1. Ele merecia uma série no Netflix eu amo as histórias dele

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  2. Obrigado, Marta Lúcia, pelo comentário, continue a prestigiar o nosso Almanaque.

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  3. Amei conhecer a história do meu amigo boêmio,Obgadu 🙏

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  4. Nome dele a umbanda não é Miguel não ele é ze pelintra camisa preta Miguel só existe um Miguel das almas

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