sábado, 15 de fevereiro de 2020

O Rio do João

(ou o dia em que a cidade se fez maravilhosa)

Publicado por Jota Pinto Fernandes*, 8 de setembro de 2012.


Ipanema anos 70

Acordo com o sol macio de uma tarde de verão. O café da manhã do hotel Bossa Nova, na avenida Atlântica, barato para o que oferece, é de comer de joelhos. Copacabana tem pouca gente, nenhum flanelinha, as prostitutas desistiram de prostituir-se depois que a cidade saiu da rota do turismo sexual. Disse-me o concièrge que o último assalto registrado no Rio de Janeiro foi em 1988, quando roubaram César Maia e o casal Garotinho. Ando tranquilo pela orla, levando o celular, a carteira fazendo volume no bolso da bermuda, o tênis importado berrando sua marca. Sem olhar para os lados para ver se alguém está de olho. Resolvo andar até Ipanema. Como é bom nadar nessa água límpida. O Caribe é um lixo perto disso. Tomo banho em um dos chuveiros do Posto 9.


Chico Buarque me convida para bater uma bola. Deixo para amanhã. Juliana Paes me oferece uma água de coco geladíssima. Todos os quiosques estão tocando o disco Amoroso, de João Gilberto, no volume certo. Eis que o próprio João aparece, violão debaixo do braço, e me convida para um chope. Vamos ao Bracarense. Lígia, a musa da canção de Tom Jobim, que anda pela praia até o Leblon, está ali. O Bracarense está lotado – mas o garçom, prontamente, nos coloca à mesa perfeita. João pede um bolinho de camarão com catupiry, que chega quentinho.


Arpoador anos 60

“Vamos a Santa Teresa?”, pergunta o homem (João tem desses repentes). Tomamos um táxi, cujo motorista não desvia do caminho, não reclama, não fala sem parar, nunca levou nenhuma atriz da Globo – e em um carro que tem ar-condicionado funcionando. Ninguém sabe o que é bala perdida em Santa Teresa. O bondinho passa a cada cinco minutos, pontualmente, e sempre tem lugar. As favelas estão em festa porque os traficantes foram presos e, agora, os aviõezinhos são só os de papel, feitos por meninos felizes. Aliás, os meninos de rua sumiram. Assim como a catedral e o Obelisco de Ipanema.


João acende um baseado na Lagoa Rodrigo de Freitas, onde as crianças nadam contentes. Ele sugere uma volta de pedalinho, mas eu prefiro dar um pulo até a Rocinha, que foi reurbanizada e ganhou um restaurante panorâmico com motivos mediterrâneos. João pega o violão e expulsa os artistas que fazem proselitismo com a extinta – extinta! – miséria do Rio de Janeiro. Da janela, vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo. “Agora tem um trem-bala até a Barra. Vamos nessa?”, indaga. João tem dessas. Claro que vamos. E não é que demoliram aquela Estátua da Liberdade?

CORTA!

Ipanema, 10 da manhã. Alguém, por favor, poderia tirar essa gigoga** fedorenta que se enroscou no meu pé?

*****

*    Jota Pinto Fernandes é autor do livro Confissões de Um Turista Profissional (Novo Contexto). Jota vai falar de suas viagens pelo mundo. Mineiro, fumante, heterossexual com uma escorregada em Paris nos anos de 1970. Ex-militante da organização terrorista Var-Palmares. Fundador, com Carlinhos de Jesus, da Academia de Dança Acadêmicos da Profilaxia. Reúne 253 destinos e alguns desatinos carimbados em seu passaporte. Casado em quintas núpcias com uma prima bem mais nova.

** Gigoga: Aguapé, Iguapé, Mururé, Camalote, Rainha-dos-lagos, Jacinto-d’água, Baronesa, Murumuru, Pavoa, Pareci. Em cada canto que ela aparece recebe um nome diferente, mas todos eles denominam a mesma planta: a Eichhornia crassipes. Planta aquática que se multiplica aceleradamente na presença de altas taxas de matéria orgânica.


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