36 homens justos
Li que no Talmude existe a
história dos 36 homens justos que salvam o mundo da destruição. Segundo a
tradição mosaica, a cada momento determinado da História vivem na Terra 36
homens cuja retidão de caráter impede Deus de fechar a mão e nos aniquilar. Os
36 podem estar espalhados pelo planeta, não se conhecerem entre si e não
conhecerem o seu próprio poder, mas sua existência e o seu comportamento
decidem o nosso destino. Se não fosse pelos 36, Deus desistiria de nós. Por que
36? Não sei. Também não sei se há algum tipo de flexibilidade divina. Se Deus
aceita, por exemplo, 35 éticos e um que, vá lá, passou a mão na empregada ou na
caixa da firma, mas hoje está arrependido, ou se o Talmude esclarece esse
ponto. O fato é que a simples sobrevivência da Humanidade, apesar de tudo que
ela já aprontou, é prova de que há pelo menos 36 homens justos no mundo, neste
momento. Deus os conhece. Deus os conta todos os dias. Mesmo quem não segue o
Talmude só pode torcer para que esta conjunção mágica não se desfaça, que nunca
faltem homens justos no mundo em número suficiente para evitar nossa
destruição.
O mesmo vale para o Congresso
brasileiro: só a existência presumida de um mínimo de 36 exceções à
mediocridade, à venalidade ou à canastrice explicaria que um raio ainda não
tenha destruído as duas casas. Os presumidos 36 preservam a instituição e, mais
importante, preservam nosso amor-próprio, pois maus congressos significam maus
eleitores. Nenhum congressista brotou da sua cadeira, foram todos postos lá por
um de nós, o povo. Os presumidos 36 nos redimem. Quem são eles? Deus os
conhece. Deus os conta todos os dias.
Luís Fernando
Veríssimo
Sou aquilo com que simpatizo
Eu quero ser sempre aquilo com
quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja
uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma ideia
abstrata,
Seja uma multidão ou um modo de
compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de
tudo em tudo.
São-me simpáticos os homens
superiores porque são superiores,
E são-me simpáticos os homens
inferiores porque são superiores também,
Porque ser inferior é diferente
de ser superior,
E por isso é uma superioridade a
certos momentos de visão.
Simpatizo com alguns homens pelas
suas qualidades de caráter,
E simpatizo com outros pela sua
falta dessas qualidades,
E com outros ainda simpatizo por
simpatizar com eles,
E há momentos absolutamente
orgânicos
Em que esses são todos os homens.
Em que esses são todos os homens.
Sim, como sou rei
como sou rei absoluto na minha
simpatia,
Basta que ela exista para que
tenha razão de ser.
Fernando Pessoa
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