sexta-feira, 28 de março de 2014

A carta de um condenado

Nicola Sacco...

21 de agosto de 1927.

Da Casa da Morte na prisão de Massachusetts.

Meu caro Dante:

Ainda espero, e combateremos até o último momento, reivindicando o nosso direito de vida e de liberdade, mas todas as forças do Estado e do dinheiro e reação são implacavelmente contra nós, porque somos libertários ou anarquistas.

Escrevo pouco a respeito disto porque és ainda muito criança para compreender estas e outras coisas sobre as quais eu gostaria de conversar contigo.

Mas hás de crescer e compreender o caso meu e de teu pai, os princípios meus e de teu pai, princípios pelos quais nos vão matar dentro em pouco.

Digo-te agora que, por tudo que sei de teu pai, ele não é criminoso, mas um dos homens mais direitos que já conheci. Um dia compreenderás o que te estou dizendo. Que teu pai sacrificou tudo o que há de mais caro e sagrado ao coração e à alma humana pela justiça e liberdade de todos. Nesse dia terás orgulho de teu pai, e se fores bastante corajoso, tomarás o seu lugar na luta entre a tirania e a liberdade e vingarás o seu (os nossos) nomes e o nosso sangue.

Se de fato morreremos agora, saberás um dia, quando te tornares capaz de compreender esta tragédia em toda a sua extensão, como teu pai foi bom e corajoso contigo, teu pai e eu, durante estes oito anos de luta, tristeza, angústia e aflição.

Desde este instante mesmo serás bom e corajoso com tua mãe, com Inês (irmã de Dante) e com Susie (amiga da senhora Sacco, com quem ela e seus filhos viviam nos últimos anos do caso) – e farás tudo para as consolar e ajudar.

Gostaria também que te lembrasses de mim como camarada e amigo de teu pai, de tua mãe, de Inês, de Susie e de ti, e te afianço que também não sou um criminoso, que não cometi nenhum roubo nem morte, mas apenas combati modestamente para abolir os crimes entre os homens e para defender a liberdade de todos.

Sabe, Dante, que quem disser o contrário de teu pai e de mim, é um mentiroso a insultar dois mortos inocentes que viveram como homens de bem. Sabe também, Dante, que, se teu pai e eu tivéssemos sido cobardes e hipócritas e renegadores de nossa fé, nos teríamos salvado. Não se condenaria nem mesmo um cão leproso, não se executaria nem mesmo o escorpião mais venenoso com fundamento nas provas que forjaram contra nós. Conceder-se-ia novo julgamento a um matricida e criminoso relapso, se apresentasse recurso como o que apresentamos para obter novo julgamento.

Lembra-te, Dante, lembra-te sempre disto; não somos criminosos; forjaram uma traça para condenar-nos; negaram-nos um novo julgamento; e se formos executados depois de sete anos, quatro meses e dezessete dias de indizíveis torturas e injustiças, será pelo que já te disse; porque éramos pelos pobres e contra a exploração e opressão do homem.

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Dia virá em que compreenderás a causa atroz das palavras acima escritas, em toda a sua extensão. Então nos honrarás.

Sê sempre bom e corajoso. Dante. Abraço-te.

Bartolomeo

P.S.: Deixo-te o exemplar da Bíblia Americana para tua mãe, pois ela há de gostar de lê-la e passará às tuas mãos quando chegares à idade de a entender. Guarda-a como lembrança. O livro testemunhará também como Mrs. Gertrude Winslow foi boa e generosa para com todos nós. Adeus, Dante.

Bartolomeo Vanzetti

O texto acima foi retirado do livro “As grandes cartas da História”;
desde a Antiguidade até os nossos dias, de M. Lincoln Schuster.

Tradução de Manuel Bandeira.

Bartolomeo Vanzetti era um imigrante italiano, peixeiro, vivendo nos Estados Unidos na década de 20. Ele e seu amigo Nicola Sacco, também imigrante, sapateiro, eram homens idealistas, de pouca instrução. Foram líderes sindicais e anarquistas, opondo-se ao governo dos Estados Unidos, que consideravam os anarquistas tão perigosos quanto aos comunistas.

Em maio de 1920, Sacco e Vanzetti foram presos perto de Boston, Massachusetts. Vanzetti, sob a acusação de ter participado de uma tentativa de assalto a um armazém; ambos, acusados do assassinato de um pagador e de um guarda de uma fábrica, mortos durante um assalto. O julgamento foi praticamente uma farsa: embora a defesa tenha apresentado cerca de 107 testemunhas de que os acusados não se encontravam no local dos crimes, eles foram condenados, depois de um processo que durou 7 anos.

Houve grande interesse nacional e internacional pelo caso de Sacco e Vanzetti. Inúmeras listas, assinadas por intelectuais e pessoas importantes, protestavam a inocência dos dois italianos, intercedendo a seu favor. De nada adiantaram: existia um consenso segundo o qual, havendo oportunidade, todos os que se opunham efetivamente ao sistema político vigente deviam ser condenados.

A pena de morte foi decretada em abril e, a 23 de agosto de 1927, Sacco e Vanzetti foram executados na cadeira elétrica.


Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti

(Adaptado de História do Século 20. Abril Cultural)


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