Nicola Sacco...
21 de agosto de 1927.
Da Casa da Morte na prisão de Massachusetts.
Meu
caro Dante:
Ainda
espero, e combateremos até o último momento, reivindicando o nosso direito de
vida e de liberdade, mas todas as forças do Estado e do dinheiro e reação são
implacavelmente contra nós, porque somos libertários ou anarquistas.
Escrevo
pouco a respeito disto porque és ainda muito criança para compreender estas e
outras coisas sobre as quais eu gostaria de conversar contigo.
Mas hás de crescer e compreender o
caso meu e de teu pai, os princípios meus e de teu pai, princípios pelos quais
nos vão matar dentro em pouco.
Digo-te agora que, por tudo que sei
de teu pai, ele não é criminoso, mas um dos homens mais direitos que já
conheci. Um dia compreenderás o que te estou dizendo. Que teu pai sacrificou
tudo o que há de mais caro e sagrado ao coração e à alma humana pela justiça e
liberdade de todos. Nesse dia terás orgulho de teu pai, e se fores bastante
corajoso, tomarás o seu lugar na luta entre a tirania e a liberdade e vingarás
o seu (os nossos) nomes e o nosso sangue.
Se de fato morreremos agora, saberás
um dia, quando te tornares capaz de compreender esta tragédia em toda a sua
extensão, como teu pai foi bom e corajoso contigo, teu pai e eu, durante estes
oito anos de luta, tristeza, angústia e aflição.
Desde este instante mesmo serás bom e
corajoso com tua mãe, com Inês (irmã de Dante) e com Susie (amiga da senhora
Sacco, com quem ela e seus filhos viviam nos últimos anos do caso) – e farás
tudo para as consolar e ajudar.
Gostaria também que te lembrasses de
mim como camarada e amigo de teu pai, de tua mãe, de Inês, de Susie e de ti, e
te afianço que também não sou um criminoso, que não cometi nenhum roubo nem
morte, mas apenas combati modestamente para abolir os crimes entre os homens e
para defender a liberdade de todos.
Sabe,
Dante, que quem disser o contrário de teu pai e de mim, é um mentiroso a
insultar dois mortos inocentes que viveram como homens de bem. Sabe também,
Dante, que, se teu pai e eu tivéssemos sido cobardes e hipócritas e renegadores
de nossa fé, nos teríamos salvado. Não se condenaria nem mesmo um cão leproso,
não se executaria nem mesmo o escorpião mais venenoso com fundamento nas provas
que forjaram contra nós. Conceder-se-ia novo julgamento a um matricida e
criminoso relapso, se apresentasse recurso como o que apresentamos para obter
novo julgamento.
Lembra-te,
Dante, lembra-te sempre disto; não somos criminosos; forjaram uma traça para
condenar-nos; negaram-nos um novo julgamento; e se formos executados depois de
sete anos, quatro meses e dezessete dias de indizíveis torturas e injustiças,
será pelo que já te disse; porque éramos pelos pobres e contra a exploração e
opressão do homem.
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Dia
virá em que compreenderás a causa atroz das palavras acima escritas, em toda a
sua extensão. Então nos honrarás.
Sê sempre bom e corajoso. Dante.
Abraço-te.
Bartolomeo
P.S.:
Deixo-te o exemplar da Bíblia Americana para tua mãe, pois ela há de gostar de
lê-la e passará às tuas mãos quando chegares à idade de a entender. Guarda-a
como lembrança. O livro testemunhará também como Mrs. Gertrude Winslow foi boa
e generosa para com todos nós. Adeus, Dante.
O texto acima foi retirado do
livro “As grandes cartas da História”;
desde a Antiguidade até os nossos
dias, de M. Lincoln Schuster.
Tradução de Manuel Bandeira.
Bartolomeo Vanzetti era um
imigrante italiano, peixeiro, vivendo nos Estados Unidos na década de 20. Ele e
seu amigo Nicola Sacco, também imigrante, sapateiro, eram homens idealistas, de
pouca instrução. Foram líderes sindicais e anarquistas, opondo-se ao governo
dos Estados Unidos, que consideravam os anarquistas tão perigosos quanto aos
comunistas.
Em maio de 1920, Sacco e Vanzetti
foram presos perto de Boston, Massachusetts. Vanzetti, sob a acusação de ter
participado de uma tentativa de assalto a um armazém; ambos, acusados do assassinato
de um pagador e de um guarda de uma fábrica, mortos durante um assalto. O
julgamento foi praticamente uma farsa: embora a defesa tenha apresentado cerca
de 107 testemunhas de que os acusados não se encontravam no local dos crimes,
eles foram condenados, depois de um processo que durou 7 anos.
Houve grande interesse nacional e
internacional pelo caso de Sacco e Vanzetti. Inúmeras listas, assinadas por
intelectuais e pessoas importantes, protestavam a inocência dos dois italianos,
intercedendo a seu favor. De nada adiantaram: existia um consenso segundo o
qual, havendo oportunidade, todos os que se opunham efetivamente ao sistema
político vigente deviam ser condenados.
A pena de morte foi decretada em
abril e, a 23 de agosto de 1927, Sacco e Vanzetti foram executados na cadeira
elétrica.
(Adaptado de História do
Século 20. Abril Cultural)
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