terça-feira, 25 de março de 2014

Sonetos Antológicos

Arrufos

Artur Azevedo

Não há, no mundo, quem amantes visse
que se quisessem como nos queremos...
Um dia, uma questiúncula tivemos
por um simples capricho, uma tolice.

- “Acabemos com isto!” ela me disse
e eu respondi-lhe assim: - “Pois acabemos!”
e fiz o que se faz em tais extremos:
tomei do meu chapéu com fanfarrice

e, tendo um gesto de desdém profundo,
saí cantarolando... (Está bem visto
que a forma aí contrafazia o fundo).

Escreveu-me... Voltei. Nem Deus, nem Cristo,
nem minha mãe, volvendo agora ao mundo,
eram capazes de acabar com isto!

Legendas dos Dias

Raul de Leoni

O Homem desperta e sai cada alvorada
para o acaso das coisas... e, à saída,
leva uma crença vaga, indefinida
de achar o Ideal nalguma encruzilhada...

As horas morrem sobre as horas... Nada!
e ao Poente, o Homem, com a sombra recolhida
volta, pensando: - “Se o Ideal da Vida
não veio hoje, virá noutra jornada...”

Ontem, hoje, amanhã, depois, e assim,
mais ele avança, mais distante é o fim,
mais se afasta o horizonte pela esfera;

e a Vida passa... efêmera e vazia:
um adiamento eterno que espera,
numa eterna esperança que se adia...

Atração e Repulsão

Adelino Fontoura

Eu nada mais sonhava nem queria
que de ti não viesse ou não falasse;
e como a ti te amei, que alguém te amasse
coisa incrível até me parecia.

Uma estrela mais lúcida eu não via
que nesta vida os passos me guiasse,
e tinha fé, cuidando que encontrasse,
após tanta amargura, uma alegria.

Mas tão cedo extinguiste este risonho,
este encantado e deleitoso engano,
que o bem que achar supus já não suponho.

Vejo, enfim, que és um peito desumano.
Se fui até junto a ti de sonho em sonho,
voltei de desengano em desengano.

Soneto

Gonçalves Crespo

Na quadra azul da mocidade, a gente
parte rindo e cantando, estrada fora;
gorjeia a cotovia em cada aurora,
suspira à noite o rouxinol dolente.

Ah! Ditoso o que parte alegremente,
o que não viu aproximar-se a hora
em que é força volver atrás... embora
nos arfe o selo de ilusões fremente.

Para ti ainda existe o sonho alado,
a fé robusta e a cândida alegria
que nos chovem do céu claro e estrelado.

Nunca sejas forçada, flor, um dia
a erguer, chorando, o braço fatigado
em busca da ventura fugidia!...

O termo da jornada

Olegário Mariano

Meus amigos, cheguei ao termo da jornada.
Não foi suave a ascensão como é calma a descida.
Se trago o coração virgem como a alvorada,
Foi o que Deus me deu, na partilha da vida.

Amei. Sofri. Na solidão da minha estrada,
Muitas vezes, curvei-me à injúria imerecida.
Uma calúnia, uma injustiça, uma pedrada,
Mas, a cigarra voou, mesmo de asa partida.

Voou cantando... O horizonte abraçava as montanhas.
O encanto da ascensão e o anseio da vitória
Irmanavam-se os dois em músicas estranhas.

Subi alto e ao descer... quanta desesperança!
Se a vida chora em mim um passado sem glória,
O amor floresce em mim, nos meus olhos de criança.

Aparição

Antônio Nobre

Pelas espadas que tu tens no peito,
Pelos teus olhos roxos de chorar,
Pelo manto que trazes de astros feito,
Por esse modo tão lindo de andar;

Por essa graça e esse suave jeito,
Pelo sorriso (que é de sol e luar)
Por te ouvir assim sobre o meu leito,
Por essa voz, baixinho; “Há de sarar...”

Por tantas bênçãos que eu sinto n‘alma
Quando chegando vens, assim tão calma,
Pela cinta que trazes, cor dos céus;

Adivinhei teu nome, Aparição!
Pois consultando manso o coração
Senti dizer em mim “A mãe de Deus!”



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