Não há, no mundo, quem amantes
visse
que se quisessem como nos
queremos...
Um dia, uma questiúncula tivemos
por um simples capricho, uma
tolice.
- “Acabemos com isto!” ela
me disse
e eu respondi-lhe assim: - “Pois
acabemos!”
e fiz o que se faz em tais
extremos:
tomei do meu chapéu com fanfarrice
e, tendo um gesto de desdém
profundo,
saí cantarolando... (Está bem
visto
que a forma aí contrafazia o
fundo).
Escreveu-me... Voltei. Nem Deus,
nem Cristo,
nem minha mãe, volvendo agora ao
mundo,
eram capazes de acabar com isto!
Legendas dos Dias
Raul de Leoni
O Homem desperta e sai cada
alvorada
para o acaso das coisas... e, à
saída,
leva uma crença vaga, indefinida
de achar o Ideal nalguma
encruzilhada...
As horas morrem sobre as horas...
Nada!
e ao Poente, o Homem, com a
sombra recolhida
volta, pensando: - “Se
o Ideal da Vida
não veio hoje, virá noutra
jornada...”
Ontem, hoje, amanhã, depois, e
assim,
mais ele avança, mais distante é
o fim,
mais se afasta o horizonte pela
esfera;
e a Vida passa... efêmera e
vazia:
um adiamento eterno que espera,
numa eterna esperança que se
adia...
Atração e Repulsão
Adelino Fontoura
Eu nada mais sonhava nem queria
que de ti não viesse ou não
falasse;
e como a ti te amei, que alguém
te amasse
coisa incrível até me parecia.
Uma estrela mais lúcida eu não
via
que nesta vida os passos me
guiasse,
e tinha fé, cuidando que
encontrasse,
após tanta amargura, uma alegria.
Mas tão cedo extinguiste este
risonho,
este encantado e deleitoso
engano,
que o bem que achar supus já não
suponho.
Vejo, enfim, que és um peito
desumano.
Se fui até junto a ti de sonho em
sonho,
voltei de desengano em desengano.
Soneto
Gonçalves Crespo
Na quadra azul da mocidade, a
gente
parte rindo e cantando, estrada
fora;
gorjeia a cotovia em cada aurora,
suspira à noite o rouxinol
dolente.
Ah! Ditoso o que parte
alegremente,
o que não viu aproximar-se a hora
em que é força volver atrás...
embora
nos arfe o selo de ilusões
fremente.
Para ti ainda existe o sonho
alado,
a fé robusta e a cândida alegria
que nos chovem do céu claro e
estrelado.
Nunca sejas forçada, flor, um dia
a erguer, chorando, o braço
fatigado
em busca da ventura fugidia!...
O termo da jornada
Olegário Mariano
Meus amigos, cheguei ao termo da
jornada.
Não foi suave a ascensão como é
calma a descida.
Se trago o coração virgem como a
alvorada,
Foi o que Deus me deu, na
partilha da vida.
Amei. Sofri. Na solidão da minha
estrada,
Muitas vezes, curvei-me à injúria
imerecida.
Uma calúnia, uma injustiça, uma
pedrada,
Mas, a cigarra voou, mesmo de asa
partida.
Voou cantando... O horizonte
abraçava as montanhas.
O encanto da ascensão e o anseio
da vitória
Irmanavam-se os dois em músicas
estranhas.
Subi alto e ao descer... quanta
desesperança!
Se a vida chora em mim um passado
sem glória,
O amor floresce em mim, nos meus
olhos de criança.
Aparição
Antônio Nobre
Pelas espadas que tu tens no
peito,
Pelos teus olhos roxos de chorar,
Pelo manto que trazes de astros
feito,
Por esse modo tão lindo de andar;
Por essa graça e esse suave
jeito,
Pelo sorriso (que é de sol e
luar)
Por te ouvir assim sobre o meu
leito,
Por essa voz, baixinho; “Há de
sarar...”
Por tantas bênçãos que eu sinto
n‘alma
Quando chegando vens, assim tão
calma,
Pela cinta que trazes, cor dos
céus;
Adivinhei teu nome, Aparição!
Pois consultando manso o coração
Senti dizer em mim “A mãe de
Deus!”
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