(...)
− Respeitável público! Vou
começar a viagem com a apresentação dos artistas que acabam de chegar do País
da Matemática. Peço a todos a maior atenção e respeito, porque isto é coisa
muito séria e não a tal bagunça que a Senhora Emília acaba de dizer − concluiu
ele (Visconde de Sabugosa), lançando uma olhadela de censura para o lado da
boneca.
Emília deu o desprezo, murmurando: “Fedor!”, e o Visconde
prosseguiu:
− Atenção! Os artistas do País da
Matemática vão entrar no picadeiro. Um, dois e... três! − rematou ele,
estalando no ar o chicotinho.
Imediatamente o cobertor que
servia de cortina abriu-se e um grupo de artistas da Aritmética penetrou no
recinto.
− São os ALGARISMOS! − berrou
Emília, batendo palmas e já de pé no seu tijolo, ao ver entrar na frente o 1, e
atrás dele o 2, o 3, o 4, o 5, o 6, o 7, o 8 e o 9. Bravos! Bravos! Viva a
macacada numérica!
Os Algarismos entraram
vestidinhos de roupas de acrobata e perfilaram-se em ordem com um gracioso
cumprimento dirigido ao respeitável público. O Visconde então explicou:
− Estes senhores são os célebres
ALGARISMOS ARÁBICOS, com certeza inventados pelos tais árabes que andam
montados em camelos, com um capuz branco na cabeça. A especialidade deles é
serem grandes malabaristas. Pintam o sete uns com os outros, combinam-se de
todos os jeitos formando NÚMEROS, e são essas combinações que constituem a
ARITMÉTICA.
− Que graça! − exclamou a Emília.
− Quer dizer então que a tal Aritmética não passa de reinações dos Algarismos?
− Exatamente! − confirmou o
Visconde. − Mas os homens não dizem assim. Dizem que a Aritmética é um dos
gomos duma grande laranja azeda de nome Matemática. Os outros gomos chamam-se
Álgebra, Geometria, Astronomia. Olhem como os Algarismos são bonitinhos. O que
entrou na frente, o puxa-fila, é justamente o pai de todos − o Senhor 1.
− Por que pai de todos? − perguntou Narizinho.
− Porque se não fosse ele os
outros não existiriam. Sem 1, por exemplo, não pode haver 2, que é 1 mais 1;
nem 3, que é 1 mais 1 mais 1 − e assim por diante.
− Nesse caso, os outros Algarismos
são feixes de Uns! − berrou a boneca pondo as mãozinhas na cintura.
− Está certo − concordou o
Visconde. − Os Algarismos são varas. O 1 é uma varinha de pé. O 2 é um feixe de
duas varinhas; o 3 é um feixe de três varinhas − e assim por diante.
Narizinho, muito atenta a tudo, notou a ausência de alguma
coisa. Por fim gritou:
− Está faltando um Algarismo, Visconde! Não vejo o Zero!
− O Zero já vem − disse o
Visconde. − Ele é um freguês muito especial e o único que não é feixe de varas,
ou de Uns. Sozinho não vale nada, e por isso também é conhecido como Nada. Zero
ou Nada. Mas se for colocado depois dum número qualquer, aumenta esse número
dez vezes. Colocado depois do 1 faz 10, que é dez vezes 1. Depois do 2 faz 20,
que é dez vezes 2. Depois de 5 faz 50, que é dez vezes 5 − assim por diante.
− E depois de si mesmo? − quis saber Emília.
− Não faz nada. Um zero depois de
si mesmo dá 00, e dois zeros valem tanto como um zero, isto é, nada. E também
se o Zero for colocado antes de um número, deixa o número na mesma. Assim, 02,
por exemplo, vale tanto como 2.
− E dez zeros enfileirados?
− Dez, ou vinte, ou mil zeros
valem tanto como um, isto é, nada.
− Pois sendo assim − disse Emília
− o tal Senhor Zero não é número, nem coisa nenhuma. E se não é número, que é
então? Algum feiticeiro? Será o Mágico de Oz?...
O Visconde atrapalhou-se na
resposta e para disfarçar gemeu o reumatismo. Mas Quindim, de dó dele, berrou
no seu vozeirão de paquiderme africano:
− É um sinal, pronto!
O reumatismo do Visconde sarou imediatamente.
− Pois é isso − disse ele. − Um
sinal. O Zero é um sinal. Quem não sabe duma coisa tão simples?
A boneca e o rinoceronte piscaram
um para o outro enquanto os Algarismos passeavam pelo picadeiro e depois se
colocavam de lado, às ordens do Visconde.
− Vou agora apresentar ao
respeitável público − disse ele depois de estalar o chicotinho − um grupo de
artistas velhos e aposentados, os tais ALGARISMOS ROMANOS, de uso naquela Roma
que os irmãos Rômulo e Remo fundaram antigamente nas terras da Itália. Senhores
Algarismos Romanos, para a frente!
A cortina abriu-se de novo e
apareceram seis artistas velhos e capengas, cobertos de pó e teias de aranha.
Eram o I, o V, o X, o L, o C, D e o M. Fizeram uns cumprimentos de cabeça,
muito trêmulos, e perfilaram-se adiante dos Algarismos Arábicos.
(...)
− Os romanos − explicou o
Visconde − não tendo sinais especiais para figurar os Algarismos, usavam essas
sete letras do alfabeto. O I valia 1; o V valia 5; o X valia 10; o L valia 50; o C valia 100; o D valia 500 e o M valia 1000.
− E quando queriam escrever o número 7, por exemplo? −
indagou Pedrinho.
− Para escrever o 7 eles botavam o V com mais dois II à
direita − explicou o Visconde. E dirigindo-se aos velhinhos:
− Vamos lá! Formem o número 7 para este menino ver. O V adiantou-se, e a seu lado vieram
colocar-se dois II, ficando uma
figura assim: VII.
− Muito bem − disse o Visconde. −
Formem agora o número 4. Os romanos
colocaram-se nesta posição: IV, e o
Visconde explicou que uma letra de valor menor, colocada depois de outra,
somava com ela, e colocada antes, diminuía. Por isso, VI era 6 e IV era 4.
Em seguida ele fez os artistas
romanos formarem em todas as posições, de modo que dessem todos os números, e
ao lado de cada combinação botou o Algarismo Arábico correspondente.
Formou-se no picadeiro uma figuração assim:
I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
|
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
|
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
|
− Que complicação! − exclamou Emília. − Estou vendo que os
árabes eram mais inteligentes que os romanos. E os números além de 10?
O Visconde mandou que os
Algarismos Romanos formassem os números além de 10, e eles se colocaram assim:
XI - 11; XII - 12; XIII - 13; XIV - 14; XV - 15; XVI - 16; XVII - 17; XVIII -
18; XIX - 19; XX - 20; XXI - 21; XXII - 22, etc.
− E o 50 como é?
O Visconde deu ordem para a
formação do 50 e imediatamente um L
se adiantou, muito lampeiro.
− Pronto! − exclamou o Visconde. −
Esse L quer dizer 50. Quem quiser representar 60, ou 70, ou 80, é só botar um
X, dois XX ou três XXX depois do
L, assim: LX, LXX, LXXX.
− E 100?
− Era o C.
Duzentos eram dois CC. Trezentos,
três CCC.
− E 500?
− Era o D.
− E 1000?
− Era o M. E se esse M tinha um risquinho em cima, M, ficava valendo um
milhão, isto é, mil vezes 1000.
− Muito bem − disse Narizinho. −
Faça-os agora formarem o número do ano em que estamos, 1946.*
O Visconde deu ordem e os Algarismos Romanos colocaram-se
deste jeito: MCMXLVI.
− Não entendo − berrou Emília. − Explique-se.
− Muito simples − disse o
Visconde. − O primeiro M quer dizer 1000. Temos depois outro M com um C à esquerda; ora, C é 100, e antes de M diminui de 100 esse M, o qual fica valendo 900. O resto é fácil.
− Fácil, nada! − protestou a boneca. − Fácil é a numeração
dos árabes.
− E por isso mesmo os Algarismos
Arábicos venceram os Algarismos Romanos − observou o Visconde. − Hoje são os
únicos empregados nas contas. Os Algarismos Romanos ainda se usam, mas apenas
para marcar capítulos de livros, ou as horas, nos mostradores dos relógios.
Quase que só.
(...)
(Do livro “Aritmética
de Emília”, de Monteiro Lobato)
*1946 ano do lançamento do livro.
Bem interessante a forma leve e criativa de ensinar.
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