Autorretrato de Castro Alves
(Do arquivo da
Academia Brasileira de Letras)
(14.03.1847 –
06.07.1871)
(Castro Alves viveu 24 anos, 4 meses e 8 dias)
Castro Alves piorava dia a dia, hora
a hora. A 29 de junho pediu que lhe transportassem a cama para junto da janela,
de onde podia avistar a rua, os telhados do Convento de Santa Teresa, uma nesga
de mar e o seu infinito céu azul. E contou Dª.
Adelaide o pedido que lhe fez: “Que a não ser os irmãos e dois amigos (creio
que o cunhado Chico e o futuro cunhado Augusto), ninguém mais lhe entrasse no
quarto”. E continua o depoimento Dª.
Adeleiade: “Agnese quis vê-lo. Pediu-me que implorasse junto a Cecéu (apelido
familiar de Castro Alves) a permissão... Não era justo... Que a deixassem ficar
perto dele, amparando-o nos últimos dias... Tanto ela chorou que me resolvi a
fazer o pedido... Quando o formulei a Cecéu, iluminaram-lhe os olhos de
lágrimas. E tomando-me as mãos, implorou: “Não! Não a deixe entrar... Ela mais
do que ninguém, não deve guardar de mim uma lembrança de ruína. Que me recorde
como sempre me viu, como me conheceu... Não! Não a deixe entrar...”
Continua o depoimento que foi
prestado pela irmã dileta do poeta: “Dias de sofrimentos atrozes seguiram-se
intercalados apenas por ligeiros momentos de alívio, e tão cruéis foram eles
que na véspera de morrer, à noite, perguntando as horas e se lhe respondendo –
É meia-noite – suspirou, dizendo: “Será possível, meu Deus, ainda um dia de
dor?!”
Estava o poeta a esperar a
morte. O médico avisou a família que já não havia mais nenhuma esperança e que
ele não sobreviveria àquela semana. Quinta-feira, 5 de julho, corre pela cidade
o boato de sua morte. Sinhá enxuga-lhe, com um lenço de cambraia, o suor gelado
de sua testa. E ele, certamente lembrando-se do episódio da Verônica enxugando
o rosto de Cristo, disse-lhe numa voz sumida: “Guarda esse lenço... com ele
enxugaste o suor de minha agonia...”
O Padre Fiúza, seu antigo professor de
latim dos tempos do ginásio do Dr. Abílio, aparece no solar do Sodré para
levar-lhe a unção dos enfermos. Os olhos do poeta, fixos e sem brilho, pareciam
contemplar o céu azul, e sorriam. Também um sorriso lhe aflorava aos lábios,
mas ninguém notava, ninguém notava a magia que lhe estava a acontecer: o céu se
enchia dos sanhaços de sua infância, dos canarinhos-da-terra, dos
galos-de-campina e dos pombos brancos a voar. Asas, asas a levantar o vôo, a
voar, a voar...
Imóvel, os cabelos negros, brilhantes,
o rosto tomando a serenidade do absoluto. O final. A seu redor, Guilherme,
aterrado pela dor, as três irmãs, a madrasta, Chico e Augusto, o Dr. Meireles,
o amigos mais íntimos. Adelaide, sua doce Sinhá, com uma tesoura cortou uma
mecha de seus cabelos. A tarde estava clara, o céu sem nuvens cheio de
gaivotas. Os relógios pararam – 3h30 da tarde do dia 6 julho de 1871, junto a
uma janela banhada de sol, para onde fora levado de acordo com o seu último
pedido – Castro Alves estava morto.
Castro Alves, jovem.
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