quarta-feira, 22 de junho de 2016

Histórias nordestinas

Morreu Maria Preá!


Em alguns estados do Nordeste, na freiança dum assunto, os antigos ainda dizem de forma afoita e abusada: “Morreu Maria Preá!” Quer dizer: “fim de conversa!’ ou “não se fala mais nisso!”.

Era um vigário, lá no interior, que mantinha um xodó de pormenores ocultos com uma paroquiana de nome Maria Preá – Mariíssima! Preazíssima!

Foi brechado pelo sacristão, João não-sei-das-quantas, que, na chantagem de língua, virou cano-ladrão do cofrinho da paróquia. A poder de ameaça escandalizante, era fincado na sacristia e o vigário escandalizável refém da situação.

Vazava o dinheiro do cofre e o padre:

– João, pela minha matemática tá faltando dinheiro novamente; não pode! Isso é um tamedonho de pedir dureza e requer fogueira inquisitória!

E João:

– Eu sei, seu Vigário, mas... e Maria Preá? Tá lembrado?

E o vigário, de voz engolida, calava feito sino em Semana Santa.

A cada tamedonho do padre, o sacristão atacava de Maria Preá em formato complicativo de batina.
Lá vai o padre pra capital, pedir seu deslocamento pra uma paróquia bem sumida e bem quilometrada da língua do sacristão. A diocese, que aplaudia seu dia-a-dia de padre, deu pedido negado, recomendando o seguimento dos trabalhos junto ao rebanho.

Um dia, metido em batina, viaja o padre em tarefa igrejeira e volta no meio do caminho à cata de paramentos. Entra pelos fundos da Casa Paroquial e ouve um corruchiado miúdo e abafado. Vê uma surpresinha estampada e moeda de muito valor. João, em formato de donzela, sendo ocupado pelo oitão por um namoradão membrelhudo.

Fala o padre de voz cantada:

– Joãããããão!!!

– Seu vigário???

– MORREU MARIA PREÁ!!!!!!!!!!!!
   
(Do livro “Bandeira Nordestina”, de Jessier Quirino 
– Edições Bagaço)

(Continua...)

A origem da expressão “Morreu Maria Preá”

A expressão acima, muito usada em boa parte da região nordestina, mas pouco conhecida no restante do país, especialmente nas grandes cidades, é empregada quando qualquer situação chega ao seu ponto final, irreversível, definitivo, e por isso não tem mais jeito, não pode ser modificado. Sendo assim, no momento em que os assuntos discutidos se esgotam por falta de maiores e melhores argumentos, ou também quando não se tem mais nada a fazer quanto a remediar ou consertar determinada situação, a frase Morreu Maria Preá, ou apenas Morreu Maria, pode servir como senha para encerrar os desencontros de opinião, de posicionamentos, de objetivos e outros mais, porque ela simplesmente quer dizer: acabou!

A origem da locução, segundo se diz, está ligada a uma dessas “histórias” que circulam pelas ruas de qualquer cidade sem que saiba se são verdadeiras, de onde vieram, ou por quem foram elaboradas. Conta-se, no caso, que o vigário de determinado lugarejo interiorano foi apanhado em flagrante por seu sacristão quando transava com Maria Preá, uma paroquiana com atrativos físicos que atraíam a atenção de qualquer filho de Deus que tivesse os hormônios certos funcionando nas horas certas. Pouco importa saber como esse romance incomum começou, e mais ainda, de que forma chegou ao rola-rola, e ainda por cima na casa paroquial. O fato é que desse dia em diante o sacristão passou a fazer chantagem com o vigário, conseguindo dele tudo o que desejava. Bastava dizer em sussurro “Olha a Maria Preá!”, para que o religioso se rendesse às suas exigências, embora o fizesse muito a contragosto. Mas fazer o quê numa situação dessas? Como explicar aquela aventura amorosa aos paroquianos?

Até que certo dia o vigário voltou mais cedo de uma tarefa que tinha ido realizar em sua missão pastoral. A porta da casa onde morava estava aberta, como de costume, e por isso ele entrou sem fazer alarde, como também era seu hábito. Ao passar pela porta entreaberta de um dos quartos, rumo à cozinha, e surpreender, num relance de olhar, o sacristão com o tronco curvado para frente, servindo passivamente de mulher para um garotão das redondezas, sua surpresa foi tamanha que ele não conseguiu dizer uma única palavra: só ficou ali parado, de boca aberta, olhando a cena patética. Mas logo foi percebido pelo sacristão, que “desarrolhando-se” do seu jovem parceiro tratou de ajeitar a roupa, aproximar-se do padre que ainda o observava de queixo caído, e murmurar em voz aflita:

– Seu Vigário, não conte nada pra ninguém. O senhor não viu nada, está bem? E olhe: de hoje em diante, morreu a Maria Preá!”.

E foi por causa disso que a frase nasceu.

(Fernando Kitzinger Dannemann)
no
 (Blog do Jarles Cavalcanti)

Maria Preá em cordel musicado


O bom Monsenhor Martins,
Vigário de Caroá,
Tinha um xamego secreto,
Um passatempo discreto
De lascar as alpercata
Com uma fogosa beata
Chamada MARIA PREÁ...

Em vereda de preá
Tatu caminha dentro?
Cuidado que a fofoca
Está comendo no centro.

O sacristão descobriu
E logo tirou vantagem,
Pois vivia ameaçando.
Grana do padre tomando
Na maior cara de pau,
Agia como um lalau
Só na base da chantagem.

Em vereda de preá
Tatu caminha dentro?
Cuidado que a fofoca
Está comendo no centro.

Um dia a coisa mudou
De uma maneira tola,
Pois o padre, um certo dia,
Chegando na sacristia
Viu o dito sacristão
Nos braços de um garotão
Dando uma de baitola.

Em vereda de preá
Tatu caminha dentro?
Cuidado que a fofoca
Está comendo no centro.

O vigário, admirado,
Perguntou o que é que há?
Que cena mais indecente
Na igreja é deprimente,
Valei-me, Nossa Senhora,
Saiba que a partir de agora
MORREU MARIA PREÁ!!!

Em vereda de preá
Tatu caminha dentro?
Cuidado que a fofoca
Está comendo no centro.

(Do Blog Acorda Cordel)



Nenhum comentário:

Postar um comentário