É big! Não! É pique
(ou origem do “Parabéns pra Você”)
Dia desses,
a Luciana
tentou emendar um papinho furado sobre uma verdadeira instituição nacional: o
nosso bom e velho “parabéns pra você”. Ela garante que, após a tradicional
melodia e o famigerado “e pro fulano nada, então como é que é”, as pessoas
em Belém do Pará cantam:
– É big! É
big! É big, é big, é big!
Como eu nunca ouvi ninguém da região
norte cantar parabéns pra mim, tratei de informá-la forma conhecida em São Paulo :
– É pique! É
pique! É pique, é pique, é pique!
Continuei a provocá-la, garantindo
que provavelmente apenas uns dois ou três guetos paraenses decidiram trocar o
“pique” por “big”. Fiquei preocupado no último final de semana, quando a
Luciana ressuscitou a pauta diante da blogueira-sem-blog Viva. Para minha surpresa, ela
explicou que já ouviu alguns “é pique!” mas os cariocas cantam mesmo “é big!”.
Diante da celeuma, tratei de buscar
por indícios que colocassem a pique qualquer menção ao big. Comecei descobrindo
que a canção “Parabéns pra Você” nasceu graças a duas professoras
norte-americanas de nome Patty e Mildred, como “Good Morning to All” (“Bom Dia
pra Você”, como cantava aquele ratinho chato em um desenho do “Tom e Jerry”).
Tanto a melodia quanto as quatro linhas repetidas em inglês foram compostas em
1893, mas registradas apenas em 1935 pela empresa Summy Company – que, pasmem,
cobra royalties pela execução da melodia! Eu nunca paguei, mas eles chegam a receber
alguns milhões de dólares por ano!
A versão brasileira do “Happy
Birthday to You” veio em 1942, graças a um concurso da Rádio Tupi do Rio de
Janeiro. Bertha Celeste Homem de Mello*, uma simpática paulista, criou o
popularíssimo “Parabéns a você / Nesta data querida / Muita felicidade / Muitos
anos de vida”. Repare na flexão do terceiro verso, no singular: enquanto
permaneceu viva, Bertha Celeste pedia encarecidamente que as pessoas cantassem
a letra exatamente dessa forma…
Claro que num país continental como o
Brasil, as diferenças seriam inevitáveis – e vão muito além de um simples
plural. No Rio Grande do Sul, o Parabéns Crioulo (ou Gaudério, como queiram),
criado por Dimas Costa (radialista do histórico “Grande Rodeio Coringa”)
popularizou outra forma de celebrar um aniversário: “Parabéns, parabéns / Saúde
e felicidade / Que tu colhas sempre todo dia / Paz e alegria na lavoura da
amizade”.
As inúmeras variações regionais
explicam a evolução do “pique” para o “big” – e não o contrário, como gostariam
os partidários da Luciana. Matéria assinada por Fabrício Marques na revista
“Pesquisa Fapesp”, em agosto de 2004, traz uma série de situações geradas ao
redor da Faculdade de Direito do largo de São Francisco. Em dois parágrafos,
também revela a origem dos versos não-identificados do nosso bom e velho
“parabéns”. De acordo com o texto:
O bordão “é pique é pique, é hora é hora,
rá-tim-bum”, incorporado no Brasil ao Parabéns a você, é uma colagem de bordões
dos pândegos estudantes das Arcadas (como a faculdade também era chamada) da
década de 1930. “É pique” era uma saudação ao estudante Ubirajara Martins,
conhecido como “pic-pic” porque vivia com uma tesourinha aparando a barba e o
bigode pontiagudo. “É hora” era um grito de guerra de botequim: nos bares, os
estudantes eram obrigados a aguardar meia hora por uma nova rodada de cerveja –
era o tempo necessário para a bebida refrigerar em barras de gelo. Quando dava
o tempo, eles gritavam: “É meia hora, é hora, é hora, é hora”.
“Rá-tim-bum” , por incrível que
pareça, refere-se a um rajá indiano chamado Timbum, ou coisa parecida, que
visitou a faculdade – e cativou os estudantes com a sonoridade de seu nome. O
amontoado de bordões ecoava nas mesas do restaurante Ponto Chic (que criou o
sanduíche Bauru graças a outro estudante de Direito, Casemiro Pinto Neto), com
um formato um pouco diferente do que se conhece hoje: “Pic-pic, pic-pic; meia
hora, é hora, é hora, é hora; rá, já, tim, bum”.
Isso significa que algum gaiato ouviu
“pic-pic” uma vez e passou a cantar “pique”, até que outro cururu prosseguiu
com o telefone-sem-fio, emendando “big”. Provavelmente, ao serem questionados,
são capazes de justificar suas escolhas: “pique é o grau mais alto, o auge, é a
disposição e energia máxima”. “Mas big significa grande, e é tudo que um
aniversário representa”. Nem é preciso discorrer sobre a motivação de quem
deturpou o polêmico trecho:
– É pica! É
pica! É rola, é rola, é rola…
Enfim, ainda falta descobrir de onde
veio outro complemento infame: “com quem será, com quem será… Que o Fulano vai
se casar? Vai depender, vai depender… Se a Fulana também vai querer…”.
André Marmota é
professor
(Do Blog Marmota
maisdosmenos)
*Berta Celeste Homem de Melo (Pindamonhangaba, 21 de março de 1902 - Jacareí, 16
de agosto de 1999) foi uma poetisa, farmacêutica e professora brasileira,
autora da letra em português da canção "Parabéns a Você", comumente
cantada nos aniversários.
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