O selfista
(Fabrício Carpinejar – Revista Dona de Zero
Hora)
Sempre que me aproximo de quem está
tirando uma selfie, eu tenho medo de atrapalhar. É como encontrar alguém nu ou
se masturbando. É ser vítima de um atentado violento ao pudor.
Fico com vontade de pedir desculpa, viro o rosto, evito encarar.
Fico com vontade de pedir desculpa, viro o rosto, evito encarar.
O selfista demonstra uma carência
extrema, é um solitário pretendendo demonstrar que é conhecido. Desperta
compaixão, insinua uma orfandade de amigos.
Quem faz selfie pensa que ninguém
está olhando, está possuído da vaidade e não compreende o quanto é patético.
O rosto sério passa a ser falsamente
sorridente com a mão levantada. Um minuto atrás era uma careta, um minuto após
é um sorriso de canto a canto da boca, sem nenhuma motivação secreta. Como pode
rir se nada aconteceu de diferente?
As pessoas comuns inventaram o riso
súbito, para concorrer com o choro profissional e o beijo cênico dos atores.
O selfista transforma a tela em uma
metralhadora de toques, até achar um momento que preste. A busca pelo ângulo
perfeito beira a obsessão. Tem gente que posa 10 horas para si mesmo, à procura
de um instante de satisfação. Lota a caixa de imagens somente para atualizar as
redes sociais. Um flagrante salvo significa 99 deletados. Já é compulsão, já é
doença, já é vício.
Não tem como não se incomodar com o
autorretrato virtual. Ele se baseia numa mentira. Boa selfie é aquela que
parece que foi clicada por uma outra pessoa. Precisa de extensão do braço e de
uma mirada ao lado, como se pego de surpresa. Ou seja, selfie é a negação da
selfie. Se fosse algo agradável, ninguém teria vergonha de esconder como foi
feita.
Quando testemunho alguém manipulando
o celular freneticamente para todos os lados, a minha ânsia é chamar a Samu. É
um ataque epilético do narcisismo.
O homem ou a mulher vai se debatendo
com o aparelho, esfaqueando-se com o celular, quase se esganando de
contorcionismo. Coloca o cabelo para frente e para trás, morde os lábios,
encolhe a barriga, suspende a respiração, gira o quadril para enquadrar a
melhor paisagem, não poupa esforços para fingir leveza.
Qualquer um
que enxerga a cena acaba nervoso.
Trata-se de uma tragédia silenciosa.
O selfista não se contenta jamais, percebe um defeito invisível no nariz, nos
olhos, no penteado, mesmo quando há nada de errado. Alucina, não está mais
entre nós. A ausência de confiança produz uma tortura infinita. Cada foto é o
reconhecimento do que falta na aparência, cada foto piora a vontade de viver, cada
foto é um aborto.
O selfie virou um espelho que anda e
substitui a realidade. Nem estou falando dos filtros e retoques, onde você
tenta apagar as imperfeições e simplesmente desaparece dos registros, só
ficando o lugar em que estava.
Charge de Nani
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