– Vamo cravá bem esse moirão “seu”
Pindunga, porque ele vai serví pra escorá a retranca da porteira!… – Advertiu
Florêncio, enquanto os aramadores seguiam o serviço, alinhando os postes para a
cerca que dividiria a invernada grande do Lageado, em dois potreiros de cinco
quadras, mais ou menos, cada um.
Candinho Bicharedo, a um lado,
falquejava a cabeça dos moirões, arredondando-as, de maneira que a água das
chuvas tivessem mais dificuldade para penetrar nas gretas da madeira, dando
assim mais durabilidade aos postes.
Para trás, o resto da turma de
aramadores: uns furando as tramas, outros, mais na falda da coxilha, enfiando o
arame e esticando-o, enfim cada qual no seu serviço especializado, dando sequência
ao aramado que já se estendia na direção do mato.
O serviço desenrolava-se normalmente,
dentro da rotina, quando uma pancada metálica feriu o ar calmo daquela manhã de
maio, anunciando a hora do almoço.
No acampamento, onde uma carroça de
duas rodas, com o varal para cima, e três couros vacuns, formavam o abrigo da
turma. Zico andava de um lado para outro, ultimando os preparativos para servir
a comida àquela gente, que como de costume, chegaria com bom apetite.
O gado que pastava nas proximidades,
ouvindo o ruído metálico produzido por um golpe em uma porteira de arado, presa
ao recavém da carroça, começou a retouçar, aproximando-se curioso do
acampamento, onde uma fumaça branquicenta denunciava o fogão dos aramadores.
A água para o chimarrão já estava
quente e a cuia encostada a um tição de fogo, esperava que as mãos calosas
daqueles gaúchos viessem acariciá-la, na avidez de saborearem uns dois ou três
amargos antes do almoço.
– O patrão resolveu mudar o lugar da
porteira, “seu” Florêncio?… – perguntou Candinho Bicharedo, enquanto, sentado
sobre o calcanhar direito, enchia a cuia com a água da “chicolateira” que
fervia encostada ao fogo.
Florêncio, o capataz da turma de
aramadores, ficou olhando para Candinho, por alguns instantes, como quem está
tomando uma resolução, depois respondeu:
– É, o homem resolveu fazê a porteira
bem no topo da coxilha!… Quer uma porteira e uma cancela de volta, bem
reforçadas!… Coisa que essa zebuada não vá rebentá em seguida.
E, sacudindo
a cabeça na direção de Candinho, Florêncio continuou:
– O senhor que é prático desse serviço, podia se encarregá de fazê a vontade do patrão. – rematando – não poupe material; escolha o madeirame e faça tudo de arame preto torcido e bem reforçado!…
Candinho Bicharedo escutou a ordem,
enquanto sua imaginação retouçava, satisfeito com a confiança que o capataz
depositava em seus conhecimentos como aramador.
– Pode deixá, no mas!… “seu”
Florêncio… que le garanto que animal nenhum derruba a porteira e a cancela que
vou fazê!…
– Vai sê daquelas que não se abre a
encontro de cavalo, “seu” Candinho?… – perguntou Maurício que chegara, havia
instantes, com um rolo de arame à meia espalda.
Foi a conta,
o velho contista abaralhou no ar a deixa e:
– Vacê até me faz lembrá duma que se
passou comigo, com essas cancelinha choégua, que mais parecem brinquedo de
criança – acrescentando para confirmar a confiança do capataz – cancela a
porteira que eu faço, se uma tropa enveredá direito a elas, pode deitá todo o
aramado, mas elas ficam de pé!… Ah, que ficam, ficam!!…
– Mas então as cancelas que vacê faz
são bem aturunadas… – comentou Zico, enquanto com o “cucharrão” de pau, provava
a cangica com carne de ovelha, que fervia no panelão de ferro.
– Eu até les vou contá porque tenho
quizília de cancelinhas mal feitas!… Certa ocasião, o mano Bica adoeceu duma
doença braba, que ninguém conhecia e o “seu” Tunico, que era quem dava remédio
lá em casa, me chamou à parte e me disse: “Óia, Candinho, tu pega o teu tobiano
e dá uma disparada no povo, pra consultá um doutor de lá, porque o que eu podia
fazê pelo teu ermão, já fiz e na marcha que ele vai não aguenta mais do que
dois ou três dias.”
Não contei tempo, seus!… Encilhei o
tobiano, já ao escurecersito e me larguei na estrada!… Pra incurtá o caminho,
peguei pelo costado da linha do telégrafo, que era mais direito e não tinha
porteira pra abri, era só ir cruzando as cancelinhas que tem em cada aramado!…
Afrouxei a rédea do animal e deixei que seguisse num disparadão no mas!…
atendendo só o fio do telégrafo, pra não me perdê!… De vez em quando eu sentia
aquele sogaço que o matungo levava!… Mas seguia adiante!… Quando vinha
apontando as barras do dia, comecei a notá que o meu cavalo, que era muito
escarceador, vinha atirando o freio com dificuldade… Pensei que fosse de
cansado!… E segui meta e meta!… Com a pressa de chegá na casa do doutor, não
atinava pra nada!…
Os aramadores já se haviam reunido em
volta do fogão para aprecisar mais aquela tirada do célebre Candinho Bicharedo,
e seguiam atentos o desenrolar daquele conto, para poderem repetir em outros
rodas a gauchada do velho contista, enquanto este continuava:
– Pois óie, seu!… para le incurtá o
causo!… Quando eu ia entrando na Uruguaiana, já dia claro, foi que me dei
conta, seus!… As quatorze cancelas que tem do Ibirocai até a cidade, vinham
enfiadas no pescoço do tobiano velho!… O sagaço que eu sentia de vez em quando,
era o animal que metia o encontro nas cancelinhas do telégrafo e seguia
adiante, no mas!… sempre naquele galopão!… Como não ia abaralhará o freio com
dificuldade o pobre do tobiano velho, com aquelas quatorze cancelas enfiadas no
pescoço!… Até que o animal aguentou muito!… Já vê que eu tenho motivo pra tê
quizília de cancelinhas mal feitas; o “seu” Florêncio pode deixá que a porteira
que eu vou fazê não há perigo de se abri a encontro de matungo!…
*Jornalista, Escritor e Poeta
uruguaianense, Urbano Lago Villela, último à direita da foto acima, escreveu 8 livros entre poesias, causos
gauchescos e biografias como a de “Domingos de Almeida” e a obra de maior
repercussão, “Uruguaiana Atalaia da Pátria”.
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