sábado, 6 de abril de 2019

Lendas de Amor


Logo depois que o homem branco chegou com seus barcos pelo “Grande Rio” e começou a dominar a nova terra, descobriu que o amor chegara antes dele: já existiam várias histórias de paixão entre os nossos índios. E os colonizadores também passaram a participar delas. Alguns desses romances passaram de geração em geração, se integraram no folclore brasileiro, e são hoje considerados, por sua pureza e intensidade, as mais belas lendas de amor.

Textos de Mylton Severiano da Silva


Lindoia, serena, parecia dormir.

Os portugueses brigam no Brasil contra os espanhóis por causa de fronteiras, e nessa luta arrastam os índios das missões dos jesuítas. Lindoia, uma bela índia guarani, vê morrer, um a um, todos os bravos guerreiros e seu povo sofre com ela. Um dia, após um combate violento, levam-lhe a notícia: seu esposo, Cacambo, foi morto pelo inimigo. Não há consolação para o sofrimento de Lindoia. Ela se retira desesperada para um bosque. Seu irmão, Caitutu, a segue de longe. Entre as folhagens, ele a vê deitada, como que dormindo. No seu colo, assustado, percebe uma serpente. Num segundo, o guerreiro hesita cem vezes entre atirar a flecha ou despertar Lindoia. Por fim dispara o arco e mata a serpente. Mas, ao aproximar-se, percebe o ferimento no seio de Lindoia. Ao lado, numa gruta, o nome de Cacambo está escrito com a letra dela. Caitutu entende: Lindoia se deixara matar pela serpente, sem saber que, mais tarde, Cacambo voltaria, pois fora apenas feito prisioneiro.

(Do livro “O Uraguai”, de José Basílio da Gama)

O sonho de Moema acabou no mar.

Caramuru muito tinha ajudado os tupinambás em suas guerras, usando as armas de fogo que só o homem branco sabia usar. Em reconhecimento, as melhores filhas da tribo lhe foram oferecidas, mas Caramuru (Diogo Álvares Correia) aceitou apenas Paraguaçu, filha do cacique, que ele desposou e levou consigo para a Europa, quando um veleiro português o foi buscar na Bahia. Feridas pelo ciúme e pelo desespero, as filhas da tribo, recusadas por Caramuru, nadaram vários quilômetros seguindo a embarcação, até que, exaustas, desistiram da perseguição e voltaram à terra. Mas dentre elas estava Moema, a virgem mais gentil da tribo: ela sentia não apenas ciúme e despeito; ela amava Caramuru. E enquanto as outras voltavam, Moema continuava nadando atrás do veleiro, soluçando de dor e repetindo o nome de seu amado, até morrer de cansaço. Dizem que sua dor era tão pura, que até os peixes do mar se compadeceram dela: dias depois, quando seu corpo veio dar à praia, estava perfeito e lindo como era em vida.

(Do livro “Caramuru” do Frei José de Santa Rita Durão)

Iracema fugiu com o homem branco.
          
Iracema não podia amar nem ser amada, por conhecer o segredo do cauim, a aguardente que fazia os guerreiros tabajaras sonhar, nas grandes festas da tribo. Quem possuísse Iracema teria de morrer. Mas, traindo o segredo que conhecia, Iracema, com a bebida sagrada, embriaga Martim, um guerreiro branco por quem se apaixonara, e os dois se amam numa noite escura. Descoberto o amor impossível, eles fogem, perseguidos pelos tabajaras, e na luta que se trava Iracema é obrigada a matar o próprio irmão, para salvar o esposo. Afinal, chegam salvos ao litoral e ali passam a viver. Tempos depois, Iracema anuncia a Martim que espera um filho seu. Mas o grande barco dos brancos veio buscar o guerreiro, e ele parte prometendo voltar. O filho de Iracema nasce e ela lhe chama Moacir - aquele que nasceu do sofrimento. Após meses de solidão e sofrimento, o esposo chega, Iracema está à morte, e mal tem forças para mostrar o filho e pedir a Martim que a enterre ao pé da palmeira à beira-mar que os viu unidos tanto tempo.

(Do livro “Iracema”, de José de Alencar)

Ninguém queria o amor de Marabá.

Ela nasceu de olhos azuis, cabelos louros e pele muito clara: era Marabá, mestiça de índia com o europeu invasor, e devia ser sacrificada. Mas, pelo amor ao homem branco que lhe dera aquela filha, sua mãe, Jupira, conseguiu salvá-la, escondendo-a no oco de uma árvore na floresta. O homem branco, que fora prisioneiro, já tinha sido libertado, partindo sem saber que ia ser pai. Ao despedir-se, na praia, jurou amor eterno à Jupira e dera-lhe uma medalha. Os anos se passaram e Jupira, doente de saudades, termina morrendo, sem ver de novo o homem amado. Marabá encontra um homem branco que, para seu espanto, fala a língua que sua mãe lhe ensinara. Ele procura por Jupira. Marabá conta-lhe sua história e mostra-lhe os objetos que fazem recordar sua infância. Entre eles, a corrente com a medalha. O homem branco a abraça, feliz: Jupira, a mulher amada, morrera, mas lhe deixara uma filha.

(Do poema “Marabá”, de Gonçalves Dias)

Iara escondia a morte no olhar.
          
Jaguari, o guerreiro mais querido da tribo dos manaus, voltou mais tarde que de costume do passeio que fazia todos os dias no “Grande Rio”. Intranquilo, sentou-se em sua rede de embira, onde ficou muitas horas pensando. E foi assim que sua mãe o encontrou já quando o Sol nascia. Então, Jaguari desabafou: “Mãe, eu a vi, boiando nas águas do “Grande Rio”, linda como a Lua. Seus cabelos brilhavam como o Sol, seus olhos eram verdes e ela cantava. Depois ela olhou para mim, estendeu os braços, convidando-me, e mergulhou nas águas. Preciso vê-la de novo”. Sua mãe, chorando, o aconselhou: “Meu filho, era a Iara. Fuja, meu filho, e nunca mais volte ao “Grande Rio”. Os olhos verdes da Iara escondem a morte.” Jaguari ouviu os conselhos da mãe, mas não pôde resistir. No outro pôr do sol, guerreiros manaus viram sua canoa deslizando pelas águas do “Grande Rio”. Jaguari nunca mais apareceu. Se ele conseguiu encontrar a felicidade, ninguém sabe, porque nenhum homem jamais voltou do reino encantada da Iara.*

* A palavra Iara é de origem indígena. Yara significa “aquela que mora na água”.
  
(Textos retirados de uma revista: Realidade, dos anos 70.)


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