sexta-feira, 12 de abril de 2019

CPI da sorte

Ou como os corruptos justificam as suas fortunas...

Mais do que tudo, o que nos impressiona nesta CPI do Orçamento é a sorte do deputado João Alves. Diante de tantas benesses, só nos resta dizer que não há Lua com tamanho suficiente para que o deputado tenha nascido virado para ela. Só falta agora a CPI descobrir o seguinte:


CPI − Deputado, estamos impressionados com afortuna que o senhor conseguiu amealhar com os seus rendimentos como parlamentar.

Alves − Por favor, eu sou um homem honrado! Eu nunca disse que o meu patrimônio foi feito com o meu salário de deputado! Eu sou um homem honrado!

CPI − Mas, então, deputado, como é que foi acumulado esse patrimônio?

Alves − Em primeiro lugar, quero dizer que estou exausto. Em trinta anos como parlamentar eu nunca me esfalfei tanto. Já estamos aqui trabalhando há oito horas! Só pude me levantar pra ir ao banheiro e interrompemos os trabalhos apenas pra almoçar. Como é que um ser humano pode manter a coerência com tanto trabalho? Oito horas!

CPI − Deputado, o senhor não está respondendo à pergunta.

Alves − Calma, já chego lá. Peço que respeitem a minha idade. Muita gente pensa que eu sou um garotinho, porque tenho a bênção ainda ter os cabelos negros como a asa da graúna.

CPI − Deputado, mais uma vez: como é que o senhor conseguiu o seu patrimônio?

Alves − Deus me ajudou. Eu sempre tive muita sorte.

CPI − Sorte em quê?

Alves − Em tudo. No jogo, por exemplo.

CPI − É mesmo? Quantas vezes o senhor já ganhou na loteria, loto, loteca, etc.?

Alves − Mais ou menos umas duzentas vezes.

CPI − Duzentas??!!

Alves − Mas não é só isso. Tudo que me acontece, Deus me ajuda a ganhar dinheiro. Vou lhe dar um exemplo: outro dia, fui fazer uma operação para tirar umas pedras dos rins. Quando o médico tirou as pedras, eram diamantes.

CPI − As pedras dos rins eram diamantes?

Alves − Bem, nem todas. Tinha também umas esmeraldas, mas não eram de muito boa qualidade.

CPI − Foi a única intervenção cirúrgica que o senhor sofreu?

Alves − Não. Também tive cálculos biliares na vesícula.

CPI − Cálculos na vesícula?

Alves − E vejam que sorte: os cálculos eram todos em dólares.

CPI − E foi assim que o senhor conseguiu a sua fortuna.

Alves − Tem mais. É impressionante como Deus gosta de mim. Imaginem que eu resolvi fazer uma reforma na minha casa.

CPI − Pois não, deputado.

Alves − Era uma casa muito antiga, bem simples, que eu comprei como o dinheirinho das primeiras dozes vezes que eu ganhei na loteria.

CPI − E o que foi que aconteceu durante a reforma?

Alves − Os pedreiros foram raspando a tinta da parede, raspando a tinta da parede, e, quando acabaram de raspar, descobriram que todos os tijolos eram de ouro.

CPI − De ouro?!

Alves − Pois é. Ganhei até na raspadinha.

Jô Soares, Revista VEJA, 3.11.93

Histórico

A CPI do Orçamento foi a Comissão Parlamentar de Inquérito criada em outubro de 1993, pelo Congresso Nacional, para “investigar falcatruas na elaboração do Orçamento da União”. Deputados, senadores, governadores, ex-ministros e funcionários do governo eram acusados de receber propinas para liberar verbas para empreiteiras, governos estaduais e municipais. O deputado João Alves, “acusado de chefiar a gangue de parlamentares que enriqueceu durante o período em que cuidou do Orçamento do País”, foi o primeiro parlamentar a depor. Seu depoimento durou mais de oito horas e teve lances surpreendentes, para dizer o mínimo. Ele afirmou, por exemplo, que era um homem de sorte: só em 1993, ganhou 56 vezes em diversas loterias. Mas a preciosidade de seu depoimento pode ter sido essa: “Eu realmente vivi em dificuldades financeiras. Depois que eu deixei esse tal de orçamento Deus me ajudou e eu comecei a ganhar dinheiro.”

Fonte consultada: Revista ISTO É, 27.10.93

Do livro: “...Novo... Texto & Contexto”,
de  Lídio Tesoto e Norma Discini – Editora do Brasil S/A

O ex-deputado federal baiano João Alves, 85, morreu neste domingo, 14.11.2004, em Salvador, na Bahia. Ele ficou conhecido pelo seu envolvimento com a máfia dos Anões do Orçamento na década de 90. Alves foi vítima de um câncer pulmonar.

João Alves ficou conhecido como um dos "anões" do escândalo de roubo de recursos do orçamento da União, em 1993. Na época ele pertencia ao PPR (hoje PP).

A CPI do Orçamento descobriu um esquema envolvendo o então deputado federal e 'laranjas' que atuavam em seu nome.

Ele renunciou no dia 25 de março de 1994 para escapar da cassação e da perda de direitos políticos, mas não voltou a se candidatar. Para justificar o seu alto padrão de vida, alegava ser um ganhador contumaz de loterias − teriam sido 221 prêmios.


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