Ou como os corruptos justificam as suas fortunas...
Mais do que tudo, o que nos
impressiona nesta CPI do Orçamento é a sorte do deputado João Alves. Diante de
tantas benesses, só nos resta dizer que não há Lua com tamanho suficiente para
que o deputado tenha nascido virado para ela. Só falta agora a CPI descobrir o
seguinte:
CPI − Deputado, estamos
impressionados com afortuna que o senhor conseguiu amealhar com os seus
rendimentos como parlamentar.
Alves − Por favor, eu sou um
homem honrado! Eu nunca disse que o meu patrimônio foi feito com o meu salário
de deputado! Eu sou um homem honrado!
CPI − Mas, então, deputado, como
é que foi acumulado esse patrimônio?
Alves − Em primeiro lugar, quero
dizer que estou exausto. Em trinta anos como parlamentar eu nunca me esfalfei
tanto. Já estamos aqui trabalhando há oito horas! Só pude me levantar pra ir ao
banheiro e interrompemos os trabalhos apenas pra almoçar. Como é que um ser
humano pode manter a coerência com tanto trabalho? Oito horas!
CPI − Deputado, o senhor não está
respondendo à pergunta.
Alves − Calma, já chego lá. Peço
que respeitem a minha idade. Muita gente pensa que eu sou um garotinho, porque
tenho a bênção ainda ter os cabelos negros como a asa da graúna.
CPI − Deputado, mais uma vez:
como é que o senhor conseguiu o seu patrimônio?
Alves − Deus me ajudou. Eu sempre
tive muita sorte.
CPI − Sorte em quê?
Alves − Em tudo. No jogo, por
exemplo.
CPI − É mesmo? Quantas vezes o
senhor já ganhou na loteria, loto, loteca, etc.?
Alves − Mais ou menos umas
duzentas vezes.
CPI − Duzentas??!!
Alves − Mas não é só isso. Tudo
que me acontece, Deus me ajuda a ganhar dinheiro. Vou lhe dar um exemplo: outro
dia, fui fazer uma operação para tirar umas pedras dos rins. Quando o médico
tirou as pedras, eram diamantes.
CPI − As pedras dos rins eram
diamantes?
Alves − Bem, nem todas. Tinha
também umas esmeraldas, mas não eram de muito boa qualidade.
CPI − Foi a única intervenção
cirúrgica que o senhor sofreu?
Alves − Não. Também tive cálculos
biliares na vesícula.
CPI − Cálculos na vesícula?
Alves − E vejam que sorte: os
cálculos eram todos em dólares.
CPI − E foi assim que o senhor
conseguiu a sua fortuna.
Alves − Tem mais. É
impressionante como Deus gosta de mim. Imaginem que eu resolvi fazer uma
reforma na minha casa.
CPI − Pois não, deputado.
Alves − Era uma casa muito
antiga, bem simples, que eu comprei como o dinheirinho das primeiras dozes
vezes que eu ganhei na loteria.
CPI − E o que foi que aconteceu
durante a reforma?
Alves − Os pedreiros foram
raspando a tinta da parede, raspando a tinta da parede, e, quando acabaram de
raspar, descobriram que todos os tijolos eram de ouro.
CPI − De ouro?!
Alves − Pois é. Ganhei até na raspadinha.
Jô Soares, Revista
VEJA, 3.11.93
Histórico
A CPI do Orçamento foi a Comissão
Parlamentar de Inquérito criada em outubro de 1993, pelo Congresso Nacional,
para “investigar falcatruas na elaboração do Orçamento da União”. Deputados,
senadores, governadores, ex-ministros e funcionários do governo eram acusados
de receber propinas para liberar verbas para empreiteiras, governos estaduais e
municipais. O deputado João Alves, “acusado de chefiar a gangue de
parlamentares que enriqueceu durante o período em que cuidou do Orçamento do
País”, foi o primeiro parlamentar a depor. Seu depoimento durou mais de oito
horas e teve lances surpreendentes, para dizer o mínimo. Ele afirmou, por
exemplo, que era um homem de sorte: só em 1993, ganhou 56 vezes em diversas
loterias. Mas a preciosidade de seu depoimento pode ter sido essa: “Eu
realmente vivi em dificuldades financeiras. Depois que eu deixei esse tal de
orçamento Deus me ajudou e eu comecei a ganhar dinheiro.”
Fonte consultada:
Revista ISTO É, 27.10.93
Do livro: “...Novo...
Texto & Contexto”,
de Lídio Tesoto e Norma Discini – Editora do
Brasil S/A
O ex-deputado federal baiano João
Alves, 85, morreu neste domingo, 14.11.2004, em Salvador, na Bahia. Ele ficou conhecido
pelo seu envolvimento com a máfia dos Anões do Orçamento na década de 90. Alves
foi vítima de um câncer pulmonar.
João Alves ficou conhecido como
um dos "anões" do escândalo de roubo de recursos do orçamento da
União, em 1993. Na época ele pertencia ao PPR (hoje PP).
A CPI do Orçamento descobriu um
esquema envolvendo o então deputado federal e 'laranjas' que atuavam em seu
nome.
Ele renunciou no dia 25 de março
de 1994 para escapar da cassação e da perda de direitos políticos, mas não
voltou a se candidatar. Para justificar o seu alto padrão de vida, alegava ser
um ganhador contumaz de loterias − teriam sido 221 prêmios.
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