quarta-feira, 9 de outubro de 2019

A Visão Redentora



(Excerto)

(...) História do marinheiro irlandês cuja fé religiosa estava prestes a morrer afogada em uísque e que desembarcou no Rio na noite de 12 de outubro de 1931. Ao descer do navio e pisar a praça Mauá, ele olhou casualmente para o céu escuro e, de repente, lá no alto, ao longe, Jesus Cristo surgiu do nada, fosforescente, pairando de pé e de braços aberto sobre a cidade. Diante daquela visão, o marinheiro quase teve uma síncope. Era um delírio, ele pensou − o álcool faz ver coisas. Mas podia ser também um sinal, um aviso de que Deus não se conformava em perder sua alma para uma destilaria. Correu de volta para o navio, trancou-se no alojamento, jurou nunca mais beber e entregou-se ao capelão − o qual, se sabia do que se tratava, não quis desapontar o marujo. Como este poderia acreditar que aquele Cristo era uma estátua de pedra-sabão, da altura de um prédio de dez andares, plantada no cocoruto de uma rocha a 704 metros acima do nível do mar e cuja iluminação estava sendo inaugurada naquele instante? E que a dita iluminação não tinha nada de sobrenatural, exceto por estar sendo fornecida à distância por Guglielmo Marconi, o inventor do rádio? Marconi emitira um sinal elétrico a bordo de seu iate Electra, ancorado na baía de Nápoles, sinal este captado por uma estação receptora em Dorchester, na Inglaterra, retransmitido para uma antena no outro lado do Atlântico, em Jacarepaguá, no Rio, e dali jogado para a estátua no alto do Corcovado − nisso, sim, é que era difícil de acreditar.

(Do livro “Carnaval no fogo 
– Crônicas de uma cidade excitante demais”
De Ruy Castro – Companhia das Letras)


Cristo Redentor, inauguração.


Cristo Redentor - projeto original

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