quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Vigaristas da Ilhota

Crônica de Lupicínio Rodrigues para o jornal Última Hora

(07/12/1963)


Ilhota, anos 1950

Outro dia, deu-se uma coisa comigo que me fez lembrar os tempos da velha Ilhota, quando aquele lugar era o ponto predileto dos vigaristas. Naquela época, os vigaristas eram o fino, e não os ladrões vulgares. Eram artistas da categoria de Afonso Silvino, Dorval Centulião, Mãozinha e outros, gente que inventou o conto do pacote, o conto do violino, o conto da mula e tantas outras modalidades de golpes. Eram tão respeitados que até os chefes de polícia, em vez de prendê-los, os convidavam a ir até a chefatura para dar explicações sobre a maneira como tinham engrupido os otários.

Os guardas das ruas não se metiam com aqueles malandros, porque só poderiam levar a pior. Pois acho que agora estamos voltando aos velhos tempos. Outro dia, roubaram meu automóvel e eu, à procura dos ladrões, encontrei uma viatura da Rádio Patrulha.

Pedi que fizessem uma chamada geral, porque o carro ainda deveria estar por perto.

Os policiais, bastante envergonhados, me disseram que não poderiam fazer nada, pois as ordens do delegado de furtos eram de que o meu carro só poderia ser apreendido depois de registrada a queixa na delegacia. Foi o mesmo que me dizer que somente iriam entregar o automóvel depois que os ladrões tirassem dele tudo que quisessem, pois só para se registrar uma queixa levavam quase duas horas, tempo suficiente para que os gatunos agissem livremente no carro, inclusive levando-o para fora da cidade. E foi nesta ocasião que eu me lembrei desse samba que fiz a pedido de velhos vigaristas da Ilhota, e que foi gravado pelo Moreira da Silva.

Ladrão conselheiro

Samba de Lupicínio Rodrigues


Seu guarda, faça o favor
De me soltar o braço,
E me dizer que mal eu faço
A esta hora morta.
Estou aqui a forçar esta porta
Olha, eu estou me defendendo
E o senhor me prendendo,
Só leva prejuízo comigo
Porque amanhã
Seu delegado me solta,
E o senhor é que topa
Com mais um inimigo.

Seja mais camarada,
Fique na outra calçada,
E finja que não vê.
Que eu levo o meu e de você
É muito mais bonito
Do que o senhor vir com grito
Aqui querer me prender
Se o senhor arranjasse
Com esse procedimento
Quinhentos mil réis mais
Para os seus vencimentos
Isto era justo
E nada eu podia dizer
Porque o senhor me dava cana
Para se defender
E não sendo assim
Não pode ser.

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