Crônica de Lupicínio
Rodrigues para o jornal Última Hora
(07/12/1963)
Ilhota, anos 1950
Outro dia, deu-se uma coisa
comigo que me fez lembrar os tempos da velha Ilhota, quando aquele lugar era o
ponto predileto dos vigaristas. Naquela época, os vigaristas eram o fino, e não
os ladrões vulgares. Eram artistas da categoria de Afonso Silvino, Dorval
Centulião, Mãozinha e outros, gente que inventou o conto do pacote, o conto do
violino, o conto da mula e tantas outras modalidades de golpes. Eram tão respeitados
que até os chefes de polícia, em vez de prendê-los, os convidavam a ir até a
chefatura para dar explicações sobre a maneira como tinham engrupido os
otários.
Os guardas das ruas não se metiam
com aqueles malandros, porque só poderiam levar a pior. Pois acho que agora
estamos voltando aos velhos tempos. Outro dia, roubaram meu automóvel e eu, à
procura dos ladrões, encontrei uma viatura da Rádio Patrulha.
Pedi que fizessem uma chamada geral, porque o carro ainda
deveria estar por perto.
Os policiais, bastante
envergonhados, me disseram que não poderiam fazer nada, pois as ordens do
delegado de furtos eram de que o meu carro só poderia ser apreendido depois de
registrada a queixa na delegacia. Foi o mesmo que me dizer que somente iriam
entregar o automóvel depois que os ladrões tirassem dele tudo que quisessem,
pois só para se registrar uma queixa levavam quase duas horas, tempo suficiente
para que os gatunos agissem livremente no carro, inclusive levando-o para fora
da cidade. E foi nesta ocasião que eu me lembrei desse samba que fiz a pedido
de velhos vigaristas da Ilhota, e que foi gravado pelo Moreira da Silva.
Ladrão conselheiro
Samba de Lupicínio Rodrigues
Seu guarda, faça o favor
De me soltar o braço,
E me dizer que mal eu faço
A esta hora morta.
Estou aqui a forçar esta porta
Olha, eu estou me defendendo
E o senhor me prendendo,
De me soltar o braço,
E me dizer que mal eu faço
A esta hora morta.
Estou aqui a forçar esta porta
Olha, eu estou me defendendo
E o senhor me prendendo,
Só leva prejuízo comigo
Porque amanhã
Seu delegado me solta,
E o senhor é que topa
Com mais um inimigo.
Porque amanhã
Seu delegado me solta,
E o senhor é que topa
Com mais um inimigo.
Seja mais camarada,
Fique na outra calçada,
E finja que não vê.
Que eu levo o meu e de você
É muito mais bonito
Do que o senhor vir com grito
Aqui querer me prender
Se o senhor arranjasse
Com esse procedimento
Quinhentos mil réis mais
Para os seus vencimentos
Isto era justo
E nada eu podia dizer
Porque o senhor me dava cana
Para se defender
E não sendo assim
Não pode ser.
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