segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Orgasmo multilingue



Um amigo meu, carioca de passagem por Lisboa − vamos chamá-lo de Guilherme, embora este seja o seu verdadeiro nome, arranjou uma namorada portuguesa. Depois de um revigorante bacalhau com grelos numa tasca sobre o Tejo, foi para o berço com a cachopa. No melhor da festa, quando as apaixonadas piruetas se encaminharam para o inexorável e delirante clímax, a garota começou a exclamar:

“Ai, que me vem! Ai, que me vem!”

Guilherme levou um susto. Nunca tinha ouvido aquilo. Achou que ela estava tendo um troço. Na verdade, estava. Estava tendo um lindo orgasmo, à melhor maneira alfacinha.

Quando Guilherme voltou ao Rio e me contou a história, fiquei pensando sobre como, mesmo quando se trata de sexo, que é uma das poucas atividades humanas em que todos falam mais ou menos a mesma língua, você às vezes precisa de intérprete. «Ai, que me vem! Ai, que me vem!», com seu sabor tão 1890, à Eça ou Camilo, significa o nosso «Estou gozando! Estou gozando!», só que muito mais delicado e poético. As brasileiras bem que podiam adotá-lo.

Outro conhecido meu, que andou pela Indonésia a negócios, certamente escusos, foi surpreendido quando, numa situação idêntica, a moça se pôs a gritar: «Aku keluar! Aku keluar!». O fulano quase caiu da cama, temendo estar infringido algum tabu local. Mas, não, a moça estava apenas verbalizando o prazer que aquele honesto papai-mamãe lhe provocava.

Bem, para me precaver de possíveis mal-entendidos em situação semelhante, consultei minhas amigas internacionais mais versadas em línguas, a própria e a dos outros. Eu queria saber as variações nacionais na linguagem do prazer. Uivos, bufados e ruídos imorais, como «Uuuuuu!», «Grmmmphkk!» ou «Brjjwwkk!», comuns a todas as culturas, foram descartados, assim como interjeições medíocres como «Yeah! Yeah!», «Oui! Oui!» e «Ja wohl! Ja wohl!», que americanas, francesas e alemãs sem imaginação disparam quando a coisa lhes está a vir. Concentrei-me nas declarações de mulheres que levam seu orgasmo a sério, e descobri que a maneira pela qual este ou aquele povo declara «Estou gozando! Estou gozando!» ajuda a entender o receptivo temperamento nacional.

Evidente que, para as línguas mais manjadas, não precisei consultar ninguém.  A americana diz «I'm coming! I'm coming!». A francesa, «Je viens! Je viens!». A alemã, «Ich kamme! Ich kamme!». Tudo isso significa, literalmente, «Estou vindo! Estou vindo!» ou «Estou chegando! Estou chegando!» Como se vê, a ideia de que o orgasmo é um fluido em movimento, que está a caminho e não demora, é universal. Mas há povos que conseguem exprimi-lo de modo mais enfático. A espanhola grita «Estoy corriendo! Estoy corriendo!» – o que pode levar um brasileiro incauto a pensar que a moça vai pular da cama e correr em direção à porta, porque não o achou grande coisa na cama.

Já a japonesa é tão reservada, que só deixa para falar depois e, mesmo assim, delicadamente: «Itchatta yo» – significando «acabei de ir». E só diz isso uma vez, sem ponto de exclamação, donde fique atento. Pode ser meio frustrante para o parceiro, mas, se ela declara que já foi, é porque está tudo bem – e você que trate de ir também, antes que ela resolva voltar. Em hebraico é a mesma coisa, com a diferença de que a mulher diz «Ani gomeret» – que significa um simples e sóbrio «terminei», só faltando assinar e reconhecer a firma. Está certo – afinal, o que há de tão excepcional em gozar? Compare isso com o carnaval feito por uma italiana, ao sentir que vai gozar, proclama triunfante, «Arriva!!! Arriva!!! Arriva!!!» – assim mesmo, em triplicata e o homem tem a sensação de que, sozinho, vale por um batalhão do Garibaldi, todo embandeirado.

Diante disso, passei a encarar carinhosamente o nosso «Estou gozando! Estou gozando!» É alegre, amoroso e ligeiramente sacana. Mesmo porque, gozar tem vários outros sentidos no Brasil, e cada qual mais agradável: rir, fazer graça, sentir prazer, desfrutar de uma coisa boa, viver satisfeito. Serve também para você se arriscar a levar uma gozada da mulher, se não a fizer gozar.

(Do livro “Amestrando orgasmos”, de Ruy Castro,
Editora Objetiva)


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