quarta-feira, 30 de outubro de 2019

O poema e o poema do poema


Vou-me Embora pra Pasárgada

Manuel Bandeira


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
− Lá sou amigo do rei −
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
   
O poema do poema

Antipasárgada

José Nedel

Para Pasárgada não mais irei,
Não me atrai a suposta mordomia.
Nem mais certeza sólida eu teria
De verdadeiro amigo ser do rei.

Eu próprio a minha microeconomia,
Malhando com afinco, construirei.
De amigos tenho aqui seleta grei
Que em práticas de bem a mim se alia.

Pretender redenção e outro destino
Numa utopia, é puro desatino,
Contra o que a História tem-nos ensinado.

Cá no real é que se trama a vida,
Em luta às vezes mais do que renhida,
Sempre com o pé no duro chão colado.





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