Pai Quati
Autor desconhecido
Lá pelas bandas de Catuçaba, nos
campos que a vista se perde, entre São Gabriel e Santa Maria*, num tempo muito
distante, numa estância grande, tempo rigoroso da escravatura, que a lei
permitia que homens brancos fossem donos de homens negros. Negros roubados de
sua querência, vendidos por Reis negros aos escravagistas brancos, que os
carregavam em porões fétidos de navios negreiros.
Foi nesta Fazenda (estância) que uma
negra escrava entrou em trabalho de parto, nasceu um menino forte, valente que
foi crescendo, brincando com todos, alegre e disposto.
O sinhozinho era um homem rude,
gostava ele mesmo pegar o chicote e retalhar costas negras amarradas num
tronco, o ato mais vil e covarde de um homem é amarrá-lo e ainda batê-lo pelas
costas.
O menino negro, com doze anos, viu uma
gritaria que vinha do tronco. Era sua mãe que estava sendo açoitada pelo
Sinhozinho, homem forte, que tinha a mão pesada com o chicote impiedoso. Batia
com precisão e, na medida em que via o couro romper as fibras das costas de sua
mãezinha, sua indignação e revolta foi mais forte que o medo e a submissão e
isso mexeu forte com ele que a tudo assistia. Então, numa agilidade espantosa,
arrancou a faca da cintura do Sinhozinho e desferiu um golpe mortal em sua
barriga.
Na mesma hora, os capangas correram
atrás dele, que, muito veloz, sumiu na mata imensa que cobria aquela região.
Assim virou lenda, misturada com
verdade, pois os anos foram passando, e ele foi vivendo no mato, visto por
muitos vestido com peles do animal, ganhou o apelido de Quati, pela pele que lhe
servia de roupa.
Virou homem-bicho, tinha medo dos
brancos, dormia nas árvores como macaco, tinha uma imensa barba e cabelo negros
como sua pele. Nas noites sem lua, viam um tição em brasa correndo pela mata
cerrada, era o Pai Quati se locomovendo com sua tocha.
Tinha hábitos marcantes, como entrar
na madrugada nas mangueiras para mamar nas tetas das vacas com terneiros, com
alguns até trocava carne fresca por sal, mas sempre à distância, nunca ninguém
o via, deixava a carne numa clareira e alguns simpatizantes, deixavam sal, que
ele só recolhia à noite, para evitar emboscadas.
Porém o tempo, que não leva ninguém
de compadre, envelheceu também Pai Quati, judiado pela vida, já não tinha a
mesma habilidade e velocidade de fugir da peonada, que o perseguia. Um dia foi
pego no laço, amarrada e levado para a mesma estância de que um dia fugiu. Os
netos do homem que ele matou, conheceram a lenda viva do Pai Quati. A cabresto,
como um animal xucro, urrando e berrando, pois perdera a capacidade de falar,
apenas grunhia, foi enjaulado num quarto bem fechado.
Pai Quati, pela pequena janelinha,
olhava a mata, os campos, sentia saudade dos seus recantos, não comeu, não
bebeu, mesmo que insistissem, escolheu ficar olhando para a janela, e morrer de
fome e sede sem trocar sua liberdade e voltar a ser escravo.
*****
O lendário Pai Quati hoje é
homenageado em São Gabriel
pelo CTG Querência do Pai Quati (hoje CTG Pai Quati), representa que a
liberdade jamais será negociada e é uma homenagem nativista ao legendário
crioulo das plagas, que trocou uma vida nas casas, para defender, com honra, o
amor que nutria pela sua mãe.
Resumo da passagem do Pai Quati
do Livro “Causos, Lendas e Assombrações”, de Osório Santana Figueiredo.
Compilado por Beraldo Figueiredo.
* Cidades gaúchas.
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